quinta-feira, 1 de abril de 2010

Seleções do Reader´s Digest, quem diria, pediu concordata

A imprensa publicou nos últimos dias uma notícia que se supunha jamais teria qualquer razão de ser. É que a empresa que publica a Reader's Digest - conhecida no Brasil apenas por “Seleções” -, a revista mensal de variedades mais popular dos Estados Unidos, pediu concordata. A organização que emitiu a nota informou, também, que conseguiu efetivar um acordo com a maioria de seus credores para reestruturar grande parte de sua dívida de US$ 1,6 bilhão. Por esse acordo, o controle da Reader''s Digest Association passou para os credores das empresas banco J.P. Morgan Chase, GE Capital, Aries Management, Merrill Lynch, Eaton Vance, Regiment Capital e DK Partners. Já a empresa de private equity Ripplewood Holdings, que adquiriu a empresa em 2007, vai desistir de sua participação na companhia.

A Reader's Digest possuiu outras revistas e empreendimentos de mídia, dentre elas a revista Every Day with Rachael Ray e o site de culinária AllRecipes.com. A circulação da principal revista da empresa já vinha caindo há anos.

Fundada em 1922 por DeWitt Wallace, como uma coletânea de artigos de outras publicações, a Reader''s Digest, que chegou a ser distribuída em mais de 60 países em 19 idiomas diferentes, reduziu a garantia de circulação mensal a seus anunciantes de 8 milhões para 5,5 milhões de exemplares e diminuiu sua frequência de publicação anual de 12 para 10 edições. As informações foram prestadas pela Dow Jones.

Em seu histórico, a revista traz a informação de que sua expansão internacional começou pela
Inglaterra, em 1938. Dois anos depois foi lançada a edição em espanhol, intitulada Selecciones e, em fevereiro de 1942, a publicação finalmente chegava ao Brasil. A sua receptividade foi imediata excedendo a todas as expectativas, tanto que em menos de seis meses, a circulação mensal atingiu 150 mil exemplares. Seleções tornava-se, assim, uma das publicações mais populares em nosso país, alcançando, no início dos anos 70, a venda de aproximadamente 500 mil exemplares a cada mês. De certa forma ela rivalizava em tiragem com a revista O Cruzeiro, que no auge de seu sucesso contabilizava cerca de 700 mil exemplares mensais.

A revista, no Brasil, mantinha a predominância pelo nome ´Seleções´. Nos anos 40 e 50 sua penetração foi fortíssima, chegando a ser uma das publicações preferidas dos brasileiros. Uma das razões pelas quais ela granjeou simpatia era a forma como publicava seus artigos. Os jornalistas de seu “cast” escolhiam assuntos importantes, cujas abordagens costumavam ser profundas já no trabalho de seus autores originais, e os condensavam, ou seja, extraíam apenas as partes vitais que garantiriam a informação, transformando a leitura mais leve e prazerosa, sem contudo interferir no conteúdo do texto.

O mesmo ocorria com relação aos livros. A Reader´s Digest escolhia as obras mais destacadas e colocava em campo seu time de redatores para também condensá-los, ou seja, diminuí-los sensivelmente em seus tamanhos originais. A preocupação era a mesma com relação aos artigos: reduzir bastante o volume de palavras, sem prejudicar, no entanto, o entendimento geral. Por causa disso, a revista lançava periodicamente no Brasil coletâneas com até quatro livros condensados, sempre em edições bem cuidadas, com lombadas elegantes, muitas ilustrações e um texto irreprensivelmente leve e convidativo.

A revista tinha, também, o hábito de lançar coletâneas musicais, sempre com o melhor da música. Tradicionalmente, os álbuns reuniam orquestras ou corais exuberantes, excelentes arranjadores e repertórios irretocáveis que iam da canção popular às peças clássicas. Vinham em caixas com 9 LPs, em média, ou na forma de álbuns individuais, mas todos ótimos. Habitualmente traziam doze músicas, com seis delas de cada lado. Quem comprava qualquer um destes lançamentos tinha a certeza de que iria ouvir boa música, magníficas regências, excelentes interpretações e uma gravação impecável, fruto da já boa tecnologia da época que experimentava as primeiras emoções do som puro e característico dos chamados long- playngs.

Muitos ainda guardam as caixas que adquiriram naquelas décadas, pois estas, com seus discos, se traduziam em verdadeiros tesouros para quem apreciava música e se considerava um colecionador dela. Neste aspecto, a revista procurava identificar as melhores orquestras e os corais mais portentosos existentes nos Estados Unidos e selecionava repertórios com músicas de sucesso na época, conseguindo, com esta estratégia, agradar em cheio ao público. Estes discos foram lançados em sua maioria nos anos 50 e 60 e tinham por característica a total e excepcional qualidade de seu conteúdo e de som.

Assim, a Reader´s Digest brindava o seu público com registros impecáveis das orquestras de Malcolm Lockyer, Henri René, Daniel Michaels, Hill Bowen, Robert Bentley e Martin Slavin e, por outro lado, de corais famosos como os dos maestros John Norman, Robert MacDonald, Norman Luboff e tantos outros, cujas interpretações nos levavam a experimentar um êxtase de emoções e encantamento com seus cânticos maviosos e celestiais.

Porém, a decadência enfrentada pela revista nos Estados Unidos se espalhou também para o mundo, com a diminuição das tiragens e até mesmo a supressão temporária de sua publicação em alguns países. Há alguns anos a revista tentou dar novo fôlego aos seus empreendimentos no Brasil, revigorando suas edições impressas e lançando coleções de CDs, algumas até resgatando registros dos anos 50 e 60. Porém, devido ao empobrecimento cultural das novas gerações, cuja capacidade de apreciação de música foi se deteriorando rapidamente, levando-a a um caminho sem volta, a revista se viu forçada a lançar coletâneas de músicas de gosto bastante duvidoso.

O desfecho ocasionado pela concordata nos EUA representa um fim melancólico para uma revista que fez parte da vida de milhões de pessoas no Brasil e em todo o mundo.
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Alcides Mazzini é professor, jornalista, radialista e músico. É Diretor da Universidade Aberta da
Melhor Idade (UNA)

Um comentário:

  1. É de se lamentar que tal revista esteja assim, ainda hoje a leio MAS que ela nem sombra é do que já foi.
    Meu tipo inesquecível, Rir é o melhor remédio, Entre aspas, Livro do mês não têm mais a qualidade de antes...peninha, de qualquer forma.

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