sábado, 10 de abril de 2010

Aventuras de um colecionador

Quando a tecnologia do compact disc, o conhecido CD, surgiu em 1987 através de um protótipo da Phillips holandesa, logo incorporado pela Sony nipônica, tive pesadelos e sobressaltos. Por um lado, ficava – como aconteceu com todos – maravilhado pela chegada da época em que finalmente se poderia ouvir música sem os tradicionais chiados e ruídos dos discos de vinil. Por outro, temia pelo destino que a música teria a partir de então.

Fiquei imaginando como seria a nossa convivência com o CD, uma espécie de “carta de alforria” para os sons gravados. Calculava que, por ser uma descoberta inovadora, o sistema digital só abrigaria músicas principalmente feitas a partir daquele momento. É claro que pensava também que uma incursão ou outra ao passado – como se fazia também com os long-playings – seria uma prática das gravadoras, talvez esporádicas, embora achasse que pela importância da nova tecnologia somente as “coisas novas” teriam chance de sair no novo formato.

Foi quando comecei e pensar: “Pronto, e agora o que nós, colecionadores, vamos fazer com as centenas de discos de vinil, acumulados durante anos e anos, desde que praticamente nos entendemos por gente, lá pelos idos de 1950?” Tinha medo de que com os novos modismos e essa suicida e estranha preferência da maioria das pessoas pelo que não presta, por lixos tóxicos a que chamam de música, as gravadoras só se aventurassem para produzir aquilo que o “povo” queria. Isso representaria, por certo, o fim definitivo da era da inteligência.

Houve, sim, uma esmagadora preferência por coisas ruidosas e sem sentido, que de certa forma os selos impunham e continuam impondo aos incautos, cada vez com maiores índices de ousadia . Quem passa por uma banca de CDs dessas tradicionais lojas de departamentos terá melhor noção do que escrevo. Noventa e cinco por cento do que ali está não vale um centavo furado, é lixo puro, uma droga que nem mesmo as pessoas de mau gosto confirmado vão comprar. Vejam como há milhares de encalhes nas prateleiras destes lugares, coisas que não saem nem por preços abaixo de custo.

Porém, para minha surpresa, as gravadoras viram na nova tecnologia do CD que surgia uma oportunidade talvez não exatamente para satisfazer os saudosistas, mas para ganhar dinheiro. Assim, pensaram: “Puxa, se nós reeditarmos muito daquilo que temos em nossos velhos e antigos acervos, muitos velhotes e dinossauros poderão se interessar e comprar de novo tudo aquilo que tinham colecionado em vinil”. De fato, a partir de 1988, no Brasil – e acredito que também no exterior -, os colecionadores passaram a enfrentar uma corrida pela busca dos valores do passado, já que em poucos anos nem mesmo as agulhas que tiravam sons dos LPs existiriam, quando muito os toca-discos.

Entretanto, o time das pessoas de péssimo gosto que preferem lixo prevaleceu e tais gravadoras não disponibilizaram sequer dez por cento daquilo que tinham em seus preciosos e ricos catálogos, onde havia música de verdade com instrumentistas, maestros e arranjadores de fato, que não enganavam ninguém e conferiam dignidade à prática de gravar melodias. A solução, para os colecionadores, foi se equipar para transferir registros sonoros dos antigos LPs para os CDs, primeiro através de gravadores comuns, para os quais iam além da música todos os ruídos presentes nos discos, e depois, com o auxílio de modernos computadores e programas que possibilitavam boas restaurações.

Mas trata-se de uma corrida contra o tempo. São muitos os LPs fantásticos gravados entre as décadas de 40 e 60, principalmente, que não terão a mínima chance de serem transferidos para o brilho dos CDs ou para a chamada era digital. Se o colecionador optar por deixar os ruídos no novo formato poderá recuperar um acervo maior, mas continuará tendo a impressão de que está ouvindo a música diretamente do vinil, com o que resta de agulhas extraindo os últimos registros dos sulcos. Se preferir fazer uma limpeza de ruídos completa, mais acurada e perfeccionista, vai suar bastante, porque o processo é lento, desgastante, demorado e até estressante, embora a causa seja boa, nobre e sublime. Realmente, a satisfação por recuperar algo que as gravadoras nem sonham em lançar é grande e indescritível.

Ocorre que os atuais CDs já estão saindo de cena. E, se não houver outro objeto físico que os substitua para armazenar sons, o colecionador será obrigado a juntar suas relíquias na memória não confiável dos computadores. Se acontecer uma pane incontornável, perder-se-ão anos e anos de prazer e deleite. E lá se vão, enterradas e com lembranças de um passado distante, as aventuras de um colecionador.

Um comentário:

  1. Parabéns, Mazzini. É isso, estamos de cabelos brancos, mas não temos medo da modernidade. Abraços

    ResponderExcluir