sábado, 6 de agosto de 2011

Um rio, uma floresta e um porvir




Em um ponto qualquer do Brasil, há 107 anos...
.....................................
Yani tinha apenas 9 anos de idade, mas já sabia distinguir as coisas que aconteciam ao seu redor. Até mesmo coisas misteriosas, com as quais ainda não mantinha nenhuma familiaridade.
Foi por isso que ele estranhou a presença, a cerca de 50 metros de distância, de uma figura parecida com ele. O indivíduo visto e ele só não eram totalmente iguais porque a cor da pele e as vestes eram diferentes.
Yani tinha a pela vermelha e o corpo coberto apenas na cintura, ao passo que a estranha figura aparecia coberto com algo difícil de distinguir, embora a face, única parte à vista, era totalmente branca. Eram coisas desconhecidas que impediam o indiozinho de ver melhor a pele do visitante do pescoço para baixo. Sobre a cabeça também havia um inusitado objeto que escondia os longos cabelos prateados.
E Yani pôde, ainda, verificar outro detalhe: ele andava com um arco e algumas flechas acondicionadas em um embornal, dependurado nas costas. A outra figura trazia um objeto comprido, longilíneo, em que se podia ver partes de madeira e de metal. Também notou que os pés e parte da perna eram protegidos por uma coisa um tanto quanto reluzente. O estranho estava parado, olhando fixamente o horizonte por todos os lados, como se estivesse à procura de algo.
Este encontro não podia se realizar agora porque nunca acontecera antes. Pensando nisso, Yani , calma, silenciosa e furtivamente se deslocou para mais longe e tomou o rumo da aldeia onde morava com seus pais e os demais membros de sua tribo.
Quando chegou, falou sem parar ao pai sobre a inesperada visão. A tagarelice do menino chamou a atenção de outros índios que estavam por perto, os quais se juntaram na tenda de Yema para ouvir, incrédulos e surpresos, a história contada pelo pequeno índio. Yema, o pai, e Yara, a mãe, não se mostraram convencidos num primeiro instante, mas a insistência com que o menino repetia as mesmas palavras começaram a se tornar uma possibilidade.
Eles queriam que o filho definisse melhor o que supostamente poderia ter visto. Porém, o dialeto da tribo talvez não contivesse palavras que pudessem exprimir a figura encontrada, a não ser no aspecto físico. Mas, e aquelas coisas adicionais que o estranho trazia sobre a cabeça e em todo o corpo, e outra que carregava nas mãos, como dar idéia do que seriam? Além do mais, Yani temia passar por mentiroso, tentando induzir os outros a acreditarem no que falava.
Yema pensou bem e anunciou que daria uma volta pelas redondezas, na direção indicada pelo filho. Antes, determinou que de início ninguém o acompanhasse, porque não queria provocar muita movimentação e barulho na floresta. Também pediu que se mantivesse o maior silêncio possível na tribo, de forma a não chamar a atenção caso houvesse alguém por perto.
//////////
Yema se surpreendeu quando chegou a um ponto mais afastado e pôde constatar que seu filho não havia inventado uma história. Porém, agora não havia só uma figura estranha, mas muitas outras. Todas estavam cobertas de forma semelhante, mas era possível ver o rosto branco e muitos pelos no queixo e abaixo do nariz, além de vastas cabeleiras branqueadas.
O índio, já velho, sábio, mas ainda muito experiente, ficou atônito. Nunca vira algo parecido. Como era possível existir seres semelhantes a ele, com aquelas coisas sobre o corpo e a pele diferente da sua? De onde vieram, o que queriam? Ele ficou por minutos se perguntando até que um dos homens do grupo de visitantes falou mais alto e fez sinais para que os demais o seguissem.
Yema se escondeu melhor entre as árvores e plantas, de modo a garantir que não fosse visto. Corajoso, ficou quieto e atento enquanto via o bando de estranhos visitantes passar bem perto de onde estava, sem notá-lo, porém. Foi quando pôde observar melhor as coisas mencionadas por Yani, como as vestes, o objeto sobre a cabeça, a cobertura dos pés e canelas e aquela coisa metade madeira e metade metal.
Percebeu, também, que muitos dos passantes traziam um outro objeto, com o qual e a golpes certeiros iam cortando partes da vegetação e abrindo caminho. Ficou indignado e perplexo com o ataque às plantas da floresta que caíam pelo chão, deixando um espaço onde só restavam galhos e folhas já pisoteados e mortos.
Yema resolveu segui-los. Felizmente não tomaram o rumo que os levaria à aldeia. Ao contrário, foram parar às margens de um rio que, embora não fosse muito largo, lhes serviu de obstáculo. Yema imaginou que, se quisessem continuar, teriam de atravessar a água. E pensou se seria possível que aqueles visitantes soubessem viver dentro da água e se movimentar através dela, como os índios aprendem a fazer desde que nascem.
Para sua surpresa, os estranhos seres não manifestaram o desejo de seguir em frente e, de outra forma, começaram a tirar aquelas vestes mesmo enquanto se jogavam na água. Foi quando, estarrecido, Yema pôde notar que o corpo dos visitantes era exatamente igual ao seu e de seus irmãos da aldeia e que só destoavam na cor da pele. A dos membros do bando era branca como algumas pétalas de rosas. A dele era vermelha, bem bronzeada. Ele até se olhou melhor para garantir que estava mesmo notando uma diferença entre as cores.
Ficou longe, imóvel, sob uma árvore, observando a algazarra que os seres faziam no rio, uns jogando água nos outros e alguns movimentando os braços e se locomovendo para cá e para lá, gritando sem parar. Percebeu que os visitantes de pele clara não tinham pressa, pois ficara por ali muito tempo sem notar qualquer movimento que significasse que eles sairiam da água e colocariam de novo suas vestes.
Nem todos os seres estavam no rio. Alguns haviam ficado de fora. Foi quando, assustado, Yema viu que um deles ergueu o objeto meio feito de madeira e outra metade feita de metal, colocou-o sobre os ombros e apontou-o para um determinado local da floresta. Estarrecido, notou um barulho alto que nunca tinha ouvido, além do que vira algo parecido com fumaça saindo do objeto.
Ele sabia distinguir bem a fumaça com a qual convivia diariamente na aldeia. Madeiras eram utilizadas para se tornar brasas e assar a caça. Imediatamente pensou que a substância branca que saiu do objeto do ser branco era igual àquela que saía das fogueiras que os índios faziam.
Estava pensando em tudo isso, com a imaginação totalmente à solta, interpretando as coisas que acabara de ver, quando o visitante que provocou o barulho andou uns poucos metros, embrenhou-se na floresta e, ao cabo de algum tempo, voltou com um pássaro em uma das mãos, aparentemente sem vida, pois estava inerte e nem fazia qualquer esforço para escapar e voar. Ao voltar ao ponto onde estava, Yema pôde perceber com certeza de que se tratava de um pássaro que os indígenas chamavam de anu preto, uma ave muito comum na região.
Ainda mais atônito, ficou a pensar se aquele objeto longilíneo poderia ter sido a causa da perda da vida do anu, pois tudo ocorrera depois de um estampido seguido de uma fumaça. Percebeu, depois, que outros seres também usaram o objeto meio madeira e meio metal para fazer com que novas aves, igualmente inertes, fossem juntadas e queimadas, servindo de alimento para os estranhos visitantes. Ficou imaginando se aquela coisa comprida era mesmo capaz de, a distância, provocar a morte de pássaros e quem sabe animais. Seus pensamentos quase se misturaram em sua cabeça, dificultando bastante a sua capacidade de raciocinar.
Notando que algo de estranho poderia estar ocorrendo e depois de ver que com outro objeto os brancos eram capazes de destruir rapidamente parte da floresta, Yema chegou à conclusão de que era hora de voltar à aldeia e convocar outros irmãos seus para, em grupo, se aproximarem dos visitantes e ver o que eles estavam pretendendo fazer.
Yema conseguiu reunir outros 12 índios, quantidade um pouco superior à dos brancos, que ele vira em número de pelo menos 7, na beira do rio. Quando chegaram, com seus irmãos também impressionados com a existência de seres parecidos com os índios, perceberam que os brancos já estavam todos com suas vestes, além da proteção para a cabeça e para os pés.
Em fila, os brancos tomaram o rumo além do rio e, ainda cortando violentamente as plantas, seguiram em diante. Yema e seus irmãos os acompanhavam próximos, porém não tão perto a ponto de permitir que qualquer barulho pudesse chamar a atenção daquelas estranhas figuras.
Em dado momento, porque os índios precisaram se adiantar um pouco, Yema e seus irmãos ficaram face a face com um dos brancos. Este, imediatamente chamou os companheiros que se colocaram bem ao seu lado, apontando para os homens de pele vermelha aqueles objetos meio madeira e meio metal.
Foram intermináveis instantes de silêncio e de tensão, até que estampidos começavam a pipocar em direção aos índios, alguns dos quais tiveram tempo para pegar suas flechas e dispará-las em direção aos brancos. Outros infindáveis momentos depois, em meio à fumaça e sangue derramado, apenas um ser conseguiu ficar de pé e ver estarrecido 18 corpos esticados e mortos pelo chão. O ser que sobrou da carnificina olhou para o alto, enxugou a testa suada, acomodou o objeto meio madeira meio metal no ombro, rezou um pouco pelos seus amigos e tomou novo rumo na floresta.
O rio em que se banharam no meio da floresta anos depois seria chamado de Baguaçu pelos moradores do local. O lugar onde ocorreu a carnificina também alguns anos depois seria denominado de Praça Rui Barbosa. Ambos, rio e praça testemunharam um pequeno episódio entre os muitos que provocaram o nascimento da uma cidade, local onde abundava uma árvore que os índios chamavam de Araçá.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Frases soltas e (im)pertinentes

Gosto muito de ler em jornais, revistas e livros as citações de grandes mestres pensadores. É claro que, às vezes, nem é preciso ser um intelectual ou grande pensador para que se possa criar tais frases. Em muitos destas ocorrências, aliás, elas podem aparecer até mesmo em parachoques de caminhões e, no caso, tradicionalmente se referem a tiradas populares que sempre vêm com alto teor de humor. A soma destas pérolas espalhadas por todos os cantos do Brasil é conhecida como “filosofia de estrada”.

As citações – também chamadas popularmente de “pensamentos” - nos encantam, nos iluminam e nos levam à reflexão. Se atentarmos bem para seus conteúdos, formas e retóricas, veremos que significam expressões que trazem profundas lições sobre várias áreas da inteligência. Muitas delas, normalmente as melhores, são escritas por filósofos, mas tantas outras podem ser encontradas na verve dos escritores, cineastas, teatrólogos, pintores, artistas, etc.

Eu também me considero um pensador. E, parafraseando os grandes mestres, tratei de ir registrando algumas máximas que criei e escrevi ao longo da vida, que julgo poderem muito bem ser aplicadas em determinados casos, como se poderá ver. Assim, fui desenrolando meu cabedal de conhecimentos e extraindo da maça cinzenta as pérolas que seguem. Espero que elas possam figurar como deleite para alguns, como terapia para outros e até mesmo como lições de vida para terceiros. Eis, então, minhas contribuições para o mundo dos pensamentos.

“Existe um limite para a idiotice, a imbecilidade e a estupidez. Porém, curiosamente alguns seres humanos conseguem extrapolar em muito estas barreiras, alcançando pontos antes nunca atingidos no mundo das inutilidades.”

“Se os seres humanos utilizassem a lógica para determinar qual é a melhor forma de exercer seu comportamento, muitos deles iriam se envergonhar grandemente do que fazem.”

“Muitos indivíduos são tão inúteis, vazios, ignorantes, tolos, arrogantes e completamente atolados em mares de mediocridade, que nada têm a ensinar ou contribuir para com seus semelhantes. Na verdade, nada mais são do que amebas com ridículas pretensões de se tornarem insetos em um futuro remoto e distante.”

“O mais fraterno dos gestos humanos é o abraço, pois ele resulta da única possibilidade em que dois corações ficam o mais próximo possível um do outro.”

“Comentaristas de jogos esportivos são aqueles indivíduos que querem arranjar um jeito de fazer com que os dois times em campo ganhem a partida.”

“As pessoas, de um modo geral, falam muito bem dos esportes, que são as coisas mais perfeitas e aconselháveis do mundo e que todos deveriam praticar. Mas existe uma coisa que me deixa profundamente intrigado: se há um jogo em que um tem de necessariamente ganhar e o outro tem de necessariamente perder, isso não pode em hipótese alguma ser considerado como sendo uma coisa boa e recomendável. Assim, só existem coisas boas e recomendáveis quando todos ganham e ninguém perde.”

“Quando vejo dois boxeadores se batendo num ringue, com as manchas das pancadas espalhadas pelo rosto e sangue jorrando por todos os lados, tenho a exata noção de que o ser humano chegou, finalmente, à mais baixa e desprezível condição humana.”

“Aquelas cenas em que os toureiros, depois de humilharem o touro com aquelas roupas ridículas e gestos afeminados, perpetram suas espadas, uma a uma, até matar o animal, deveriam ocorrer ao contrário: ou seja, de tão estúpidas que são os bois é que deveriam montar nos toureiros e depois atolar as espadas no coração dos seus algozes.”

“As pessoas que saem às ruas, praças e logradouros com seus cachorros, para que estes possam fazer suas necessidades físiológicas em áreas públicas – porque não querem que eles o façam em suas casas -, deveriam sofrer as seguintes penalidades: recolher os dejetos do animal, limpar o lugar deixando-o exatamente como estava, pagar uma multa de cinco mil reais em vinte e quatro horas e ser levado de camburão para passar uma temporada de seis meses na cadeia.”

sábado, 4 de setembro de 2010

Abertura do Show "Trem Sentimental"

Eis aqui o texto de abertura que escrevi e li para o show "Trem Sentimental", ao lado de grandes e talentosos músicos de Araçatuba.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A gente vai estar estando...

Sabe c’umé, né? Valeu, cara! Pimba na gorduchinha! Sacou, mano? Chique no úrtimo...A gente vai tá fazendo.. Analisando esta sequência insólita de modismos e banalidades que assolam a estrutura da nossa bela língua portuguesa só faltou o aperfeiçoamento e progressão naturais da Nova Inteligência que adotará a frase “a gente vai estar estando...”. Mas pelo andar da carruagem vamos chegar a isso e em muito menos tempo do que pensamos.

Meus Deus, o que fizeram com a última flor do Lácio, o nosso idioma de todos os romances, poesias, belezas e encantamentos? Que destino cruel decretaram para a língua de Camões, Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Rachel de Queirós e tantos outros mestres na arte de escrever?

Confesso que ando amedrontado com o que leio e ouço das pessoas, principalmente quando estão se comunicando de maneira informal, livre e solta. Parece que foi instalada de vez a ditadura da pobreza educacional e da mediocridade intelectual.

Excetuando-se as escolas, revistas, jornais, outras formas de mídia respeitáveis e as instâncias onde o rigor gramatical precisa ser observado, porque é fonte de aprendizado, cultura e identidade – e exatamente por isso se transformam nos últimos bastiões da integridade de nossa língua -, o que resta e se nota é algo de estarrecer até os mais incultos dos seres falantes.

O empobrecimento da fala e da escrita é uma realidade inconteste. Às vezes, por mais que se tente ler e entender o que algumas pessoas querem dizer quando escrevem ou falam, mais chegamos à conclusão de que a língua utilizada neste “esforço” não é o idioma português. O despreparo é flagrante e o desconhecimento de regras elementares de gramática, principalmente concordâncias e regências, simplesmente vexatório.

As pérolas reunidas em programas de humor sobre o que os alunos escrevem em vestibulares são incríveis. E, neste caso, não se revela apenas o fato de que alguém não sabe escrever ou falar, mas o de não fazer a menor ideia sobre pontos e matérias cujo teor, contexto e conteúdo os estudantes deveriam dominar quando aspiraram a graus superiores de ensino.

Ao que tudo indica, parece estar ocorrendo um devastador processo de avacalhação de conhecimento, imposto por novos e infames costumes, que vem se instalando e, paulatinamente, ceifando as últimas fronteiras do que seria o lógico e o minimamente aceitável. Os meios de comunicação de massa e os modismos se encarregam de a cada dia criar neologismos, a maioria sem utilidade e sem sentido. Os jovens adotam e introduzem gírias criando seu próprio dialeto e o internetês se transformou em uma espécie de língua paralela, porém entendido como sendo uma vertente de nosso idioma, o que é mais desolador.

O que se percebe é que novos termos e expressões são introduzidos e ficam valendo no processo de comunicação. A isso se soma a preocupação de que, segundo estatísticas, o universo vocabular médio e geral de uma pessoa comum, no Brasil, gira em torno de 300 palavras. Ou seja, um cidadão brasileiro usa para sua comunicação no trabalho, na família, no seu círculo de amizades e na sociedade algo próximo de apenas 300 palavras.

A culpa nem é das escolas e dos professores que trabalham nas primeiras fases do aprendizado, pois nestas instituições ainda existem aqueles que se dedicam ao ensino com responsabilidade, procurando transmitir aos alunos a importância daquilo que ensinam. Até porque não se pode admitir que diante de uma classe de alunos não haja um docente preparado, conhecedor de sua profissão. O problema está mais no aluno, por conta dos vícios que ele adquire fora da escola e dos modismos e posturas inconsequentes que adota no seu dia a dia.

Deve-se enaltecer e levar em conta, é claro, as manifestações de interesse de pessoas ávidas por aprender e por buscar alternativas através das quais possa ir assimilando novos ensinamentos. Isso se dá, por exemplo, através da leitura de bons textos, como aqueles dos bons romances, das belas e perfeitas poesias, das excelentes reportagens em revistas e jornais de credibilidade. Ou seja, o estudante não deve depender só da escola para aprender, pois grande parte de suas conquistas precisa vir de sua vontade própria, de sua sede pelo saber, de sua curiosidade e de seu desejo de crescer intelectualmente.

A situação no trato do nosso idioma é tão grave que há algum tempo o ex-governador do Distrito Federal, não contente com as respostas frequentes de seus colaboradores, que às suas indagações e questionamentos lhe respondiam sempre com um invariável “estamos providenciando”, demitiu sumariamente a figura do gerúndio. Provavelmente, o que o governador, ele próprio desorientado e pouco apegado ao intelecto, queria mesmo era defenestrar o gerundismo, este sim uma praga crônica da atualidade, em que os desavisados falam coisas do tipo “a gente vai tá fazendo...”

A rigor, o gerúndio é um tempo verbal legítimo que utilizado de forma correta e adequada é perfeitamente legal. Mas a pergunta que não quer calar é: e agora, o que mais virá por aí em termos de sandices, imbecilidades, idiotices, vulgaridades e babaquices?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Eu, Pernilongo; você, meu sangue...


É amigos, sou esta celebridade que acumula cada vez mais fama em todo o Brasil, quiçá no mundo, e que inferniza a sua vida e a de todos os seus semelhantes. Sei que você é um ser humano honesto, esforçado e dá literalmente o seu sangue para conseguir o seu sustento e o de seus entes queridos. Eu, entretanto, confesso que sou um ser altamente dependente, um chupim na sua forma mais clássica, um verdadeiro sanguessuga que precisa dos outros para sobreviver. Assim, concordo que não tenho nenhum mérito ou valor, porque não produzo nada de interessante; muito pelo contrário, provoco um flagelo entre vocês, pessoas de ambos os sexos e idades.
Talvez você nem conheça algumas particularidades a meu respeito. Por exemplo, que aquela que te pica, ou seja, eu, sou do gênero feminino. É isso mesmo: sou fêmea e, a exemplo das leoas que saem para a busca do sustento da família, cabe a mim a tarefa diária de sugar o seu sangue, me manter viva e criar a minha prole, garantindo assim a perpetuação da minha espécie. E não pense que isso é fácil de fazer. Tenho, é claro, a facilidade e felicidade de não precisar escolher as minhas vítimas, porque sangue é sangue em qualquer situação. Todavia, obtê-lo não é um trabalho “moleza”, como se poderia considerar à primeira vista. Preciso, antes, adotar uma série de procedimentos de forma a ter sucesso em minhas empreitadas.
Assim, o primeiro passo é escolher um lugar bom de seu corpo, preferencialmente onde você não me veja, aproveitar o fato de você estar distraído, aplicar uma espécie de “anestesia” – para você não sentir o baque e não querer ficar me incomodando - até porque eu gosto de sugar os outros em paz – e introduzir um recurso físico que eu tenho e que se parece muito com o ferrão das abelhas. Você pensa que é simples ferrar você profundamente, ou seja, ir fundo com meu comprido bico até alcançar as camadas mais ricas de seu pré-sal, quero dizer, pré-sangue?
Outra coisa: para mim também não é nada fácil ter de ficar dando aqueles goles contínuos e intensos, de forma a ir subtraindo o “precioso líquido vermelho” de seu corpo e ir depositando-o em minhas entranhas. Na verdade, este esforço é bastante extenuante. E fique sabendo que depois de finalizado o meu trabalho eu só voo lentamente e “pesadona” porque consumi uma energia imensa picando e ferrando você, e não porque meu estômago está cheio do seu delicioso sangue.
Confesso também que o meu companheiro, o meu “homem”, ou macho – como vocês chamam – é um ser inútil e praticamente um desocupado. Não é ele que vai à luta para obter o sangue nosso de cada dia. Na verdade, é um sujeito simplório e preguiçoso que se contenta em consumir gravetos, folhagens e outras coisas menos nobres que nem de perto têm o sabor sublime, nutricional e altamente reconfortante do sangue humano. Quer dizer: meu marido é tão chulo que nem sabe escolher uma boa bebida.
Outra coisa que eu percebo é que os humanos mais perdem tempo em achar um nome para a minha espécie do que efetivamente em me combater e me exterminar. Assim, vivem arrumando umas palavras em latim, uma língua já morta e que ninguém mais entende, criando classificações estranhas. Vejam quantas coisas vocês escrevem só para me identificar: que sou do reino Animália, da filo Arthropoda, da classe Insecta, da ordem Díptera, da subordem Nematocera, da família Culicidae, da subfamília Culicinae, do gênero Aedes, do sub-gênero Stegomyia e da espécie Aedes Aegypti. Mas dizem, também, que sou conhecido como, aí sim, pernilongo – meu verdadeiro nome, aliás, obrigado! - muriçocas ou carapanãs. Se isto não bastasse, deram até um título para os estragos que eu consigo fazer, esse palavrão chamado dengue. Pode?
E mais, meu amigo: de boba eu não tenho nada. Pensa que eu não fico à espreita para saber onde você deixou descuidadamente aquele restinho de água, em um vaso, na planta, nas calhas da sua casa, nos pneus, em qualquer lugar onde eu possa exercer a maravilhosa arte da procriação? Saiba que me basta só um pouquinho dela – bem limpinha e arejada, de preferência, porque sou altamente seletiva – para eu depositar meus lindos ovinhos e daí a alguns dias dar vida aos meus pequeninos. Afinal, eles são seres vivos que também querem ter um lugar ao sol.
Vocês até tentam me intimidar jogando para cima de mim uma fumaça horrível, mas, cá pra nós, já percebi que ela tem mais cheiro do que eficácia. Quando meus algozes vêm, prendo a respiração e vou para outro lugar. No fundo no fundo, eu até considero você um grande aliado meu, porque não vive querendo acabar com o acúmulo de água aqui ou ali, dificultando a minha vida e me impedindo de dar à luz. Infelizmente, não posso agradecer você de outra forma por esta grande deferência, a não ser estar sempre direcionando o meu longo bico para as partes mais frágeis do seu corpo e fazendo-o perder alguns gramas do sagrado líquido que me mantém viva e atuante.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Copa da Retranca



Será que podemos considerar o Campeonato Mundial de 2010 da África do Sul como sendo a Copa da Retranca? Até o momento em que fechávamos este comentário e salvo as vitórias da Alemanha sobre a Austrália, do Uruguai sobre a África do Sul e de Portugal sobre a Coreia do Norte, com um bom repertório de gols e cujas seleções derrotadas não têm um histórico forte de participações na grande festa esportiva, o que se está vendo nos jogos é um festival de emboladas, de um lado e de outro. E tais emboladas só estão acontecendo em um dos lados do campo graças a um ou outro contra-ataque esporádico de alguns jogadores mais ousados e insatisfeitos com a presente situação.

Os resultados têm sido parcos, pífios e mixurucas, nem de longe demonstrando a grandeza e a tradição de seleções como a do Brasil, Argentina, Espanha, Itália e Inglaterra. É claro que as demais seleções também merecem respeito, até porque se chegaram ao seleto clube dos participantes de uma Copa do Mundo é porque tiveram mérito e competência nas fases de classificação.

Porém, o que se vê claramente é uma fortíssima e descarada retranca funcionando. Os times juntam todos os seus atletas em seu campo e, mais propriamente, em sua grande área e proximidades e montam uma barreira natural, uma muralha de gigantescas proporções, onde não há espaço sequer para uma bola de futebol passar. E as cenas, repetidas até a exaustão, são as das bolas chutadas e o natural e indefectível rebate, seguido de outra tentativa de finalização e de outra defesa contrária.

Até existem algumas das seleções, como a do Brasil, por exemplo, que mostram ter um caráter grandemente ofensivo - sem considerar o jogo com Portugal -, com jogadores hábeis e de grande talento que podem fazer a diferença diante dos guarda-roupas que as equipes estão colocando estrategicamente em suas defesas. Mas estes times sucumbem facilmente à mediocridade dos demais que parecem ter ido à Copa somente para promover um “campeonato de defesas”. Quando a tônica é esta, ou seja, a da defesa a qualquer custo, o jogo fica feio, desmotivador e chato, surgindo como um estímulo para que exerçamos o nosso direito de desligar a televisão.

Afinal, a concentração de todos os jogadores de um mesmo time na grande área e cercanias desta é tão constante que até os goleiros estão tendo dificuldade de ver as bolas chutadas e imaginar para que lado devem voar caso as enxerguem ocasionalmente vindo em sua direção.
A continuar neste tom é até fácil imaginar o que vai acontecer com os próximos jogos, quando começa a haver a peneirada de sempre. Os fracos vão saindo, os fortes permanecem mas com eles ficam também as defesas retranqueiras pesadas, as mesmas que tornam as partidas insossas, sem nenhum molho, tempero ou criatividade.

As coisas parecem estar mudando. Antigamente futebol era um esporte que tinha o gol como objetivo. Agora, ao que tudo indica tornou-se uma modalidade de esporte em que o fator principal não é necessariamente fazer gols, mas não tomá-los das equipes adversárias. Confesso que não sabia que o futebol modernamente se joga assim, sem gols. Por isso, não tive e nem vou ter tempo de reavaliar os meus conceitos antes que a atual Copa Retranqueira Mundial de Futebol termine.

sábado, 5 de junho de 2010

Os herois da música de ontem em Araçatuba

É muito comum o fato de as comunidades, principalmente as interioranas, colocarem os esportistas entre aqueles que são autores de feitos importantes, que projetaram a cidade, que levaram o nome de seu município a partes distantes, etc. Muito provavelmente, a notícia de que algum atleta logrou conquistar determinado título ou obteve uma boa colocação em um torneio ou campeonato esportivo é muitos mais receptiva e tem um apelo muito mais forte. Afinal, esporte é um setor do qual a imprensa jamais se descuida, pois ele tem a simpatia do público, atrai leitores e dá visibilidade.
Conheço pessoas que abrem os jornais locais ou os de grande porte, como a Folha de S. Paulo e o Estadão e, com o perdão do trocadilho, entram em batalha campal para disputar acirradamente os cadernos especializados em esporte. Normalmente estes cidadãos passam ao largo das notícias sobre educação, saúde, política e economia, que são as que de fato mais têm importância e que interferem diretamente em suas vidas.
Tudo bem que os grandes times do Estado como Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos, quando perdem um jogo, podem provocar uma dor que se alastra por dias e semanas entre seus torcedores, até que uma vitória, mesmo que pálida, restabeleça a crença em outros resultados melhores e proporcionem uma recuperação a tais sofredores. Aliás, o esporte tem tanta força e tanta exposição na mídia que a situação atual e o futuro do país parecem depender decisivamente do balanço de perdas e ganhos entre as equipes, sem falar no aprofundamento do assunto quando o tema é seleção brasileira. É só lembrar da final entre Brasil e Uruguai, no Maracanã, na década de 50, quando um gol feito pelo atacante Giggia no último minuto do jogo derrotou o Brasil e levou o país a um a trauma sem precedentes em sua história e a uma comoção que durou meses.
Nos dias seguintes àquela fatalidade, as pessoas não encontravam ânimo para trabalhar, estudar, ir ao teatro, ao cinema ou a um show de música. Nada era forte o suficiente para tirar da cabeça do povo a sensação triste da derrota. O país parecia que havia deixado de existir. Esse tipo de sensação ocorre também quando a nossa seleção é desclassificada prematuramente nas copas.
É verdade, também, que esse tipo de destaque de herois às vezes contempla alguém que salva um semelhante prestes a morrer afogado, um empresário que investe o que tem e não tem em times de futebol, vôlei ou basquebol – modalidades entre as mais cotadas e de visibilidade e retorno mais garantidos - , um garoto prodígio que se torna notícia da noite para o dia ou por meio de outras possibilidades.
O que não se costuma ver são herois que pertencem à área artística. E o pouco ou nada do que se vê representam personagens que fizeram algo pela música de sua cidade. Pois acreditem: Araçatuba já teve seus herois na música, como os tem agora também.
Não levando em conta outros casos mais isolados que aconteceram ao longo das primeiras décadas de existência do município, um fato se tornou marcante no início dos anos 60 quando a cidade foi representada não por um, mas por vários herois ao mesmo tempo, todos reunidos em uma sólida e incrível equipe, senhores de seus talentos e mestres na arte de cantar ou tocar um instrumento.
Estou me referindo aos componentes dos Astros de Amanhã, um grupo criado pelo saudoso Edson “Bolinha” Curi, radialista que teve uma forte e impactante atuação no meio radiofônico de Araçatuba na época. Depois de iniciar um serviço de alto-falantes a partir do bairro Santana, onde fazia propaganda de empresas e incluía alguns números musicais, migrou para a solidez das rádios AM onde pôde estabelecer um programa fixo.
Bolinha passou pelo cast das Rádios Cultura e Difusora AM, para onde indefectivelmente levava o seu grupo de artistas cantantes ou tocantes. Passou mais tempo na Cultura AM, onde aproveitava o generoso espaço do Palácio Cine-Rádio, que juntava num mesmo prédio os estúdios da emissora e a sala de projeção do Cine Bandeirantes, onde promovia memoráveis encontros de música com os Astros de Amanhã, em que cada um desfilava com sua perfeição, dedicação e qualidade.
Os heróis tinham nomes: Alaíde Donatoni, Antonio Bombarda, Ayres Bucchi, Doracy Nascimento, Joaquim Coelho, Lúcio Collícchio, Marly Martinelli e Wagner Gomes. Em um momento histórico de abençoada iniciativa foram a São Paulo gravar nos estúdios da RGE/Fermata um long playing, com direito a acompanhamento de orquestra e arranjos do prestigiado maestro Enrico Simonetti, um dos mais famosos da época.
Naquele episódio seguiram para São Paulo apenas os cantores que Bolinha considerava já estarem no “último degrau”, ou seja, o lugar para onde iam os melhores, os perfeitos e já lapidados artistas. E ele acertou em todas as fichas em que apostou, pois o álbum realmente ficou excelente e com interpretações memoráveis e inesquecíveis.
As pessoas que tiveram o privilégio de comprar o LP na época o guardam com carinho e o consideram como se fosse uma relíquia, um verdadeiro tesouro. Pelo menos é o que acontece comigo. Ali está presente, de forma plena, cabal, exuberante e imorredoura a arte e o talento daqueles então jovens que colocavam o nome da cidade no mapa do Estado e do País.
É importante que sempre, mesmo passados tantos anos e décadas, nós reverenciemos estes feitos e aqueles que o legitimaram, pois significam verdadeiras conquistas históricas da cidade. Fico triste quando percebo que as pessoas só se preocupam com o presente e o futuro porque, segundo elas, a rigor é só o que realmente importa. No entanto, é preciso olhar para trás, observar a linha do tempo e observar tantos e tão significativos exemplos deixados por nossos antecessores, gestos que nos emocionam e nos deixam orgulhosos.
No que depender de mim, os Astros de Amanhã existirão para sempre. Deus e a Rádio Cultura FM me proporcionam a felicidade e o privilégio de frequentemente escalar estes grandes artistas para serem ouvidos tantas outras vezes e sempre, pois sua arte não acaba. É algo que ficará para a eternidade.________________________________