sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Copa da Retranca



Será que podemos considerar o Campeonato Mundial de 2010 da África do Sul como sendo a Copa da Retranca? Até o momento em que fechávamos este comentário e salvo as vitórias da Alemanha sobre a Austrália, do Uruguai sobre a África do Sul e de Portugal sobre a Coreia do Norte, com um bom repertório de gols e cujas seleções derrotadas não têm um histórico forte de participações na grande festa esportiva, o que se está vendo nos jogos é um festival de emboladas, de um lado e de outro. E tais emboladas só estão acontecendo em um dos lados do campo graças a um ou outro contra-ataque esporádico de alguns jogadores mais ousados e insatisfeitos com a presente situação.

Os resultados têm sido parcos, pífios e mixurucas, nem de longe demonstrando a grandeza e a tradição de seleções como a do Brasil, Argentina, Espanha, Itália e Inglaterra. É claro que as demais seleções também merecem respeito, até porque se chegaram ao seleto clube dos participantes de uma Copa do Mundo é porque tiveram mérito e competência nas fases de classificação.

Porém, o que se vê claramente é uma fortíssima e descarada retranca funcionando. Os times juntam todos os seus atletas em seu campo e, mais propriamente, em sua grande área e proximidades e montam uma barreira natural, uma muralha de gigantescas proporções, onde não há espaço sequer para uma bola de futebol passar. E as cenas, repetidas até a exaustão, são as das bolas chutadas e o natural e indefectível rebate, seguido de outra tentativa de finalização e de outra defesa contrária.

Até existem algumas das seleções, como a do Brasil, por exemplo, que mostram ter um caráter grandemente ofensivo - sem considerar o jogo com Portugal -, com jogadores hábeis e de grande talento que podem fazer a diferença diante dos guarda-roupas que as equipes estão colocando estrategicamente em suas defesas. Mas estes times sucumbem facilmente à mediocridade dos demais que parecem ter ido à Copa somente para promover um “campeonato de defesas”. Quando a tônica é esta, ou seja, a da defesa a qualquer custo, o jogo fica feio, desmotivador e chato, surgindo como um estímulo para que exerçamos o nosso direito de desligar a televisão.

Afinal, a concentração de todos os jogadores de um mesmo time na grande área e cercanias desta é tão constante que até os goleiros estão tendo dificuldade de ver as bolas chutadas e imaginar para que lado devem voar caso as enxerguem ocasionalmente vindo em sua direção.
A continuar neste tom é até fácil imaginar o que vai acontecer com os próximos jogos, quando começa a haver a peneirada de sempre. Os fracos vão saindo, os fortes permanecem mas com eles ficam também as defesas retranqueiras pesadas, as mesmas que tornam as partidas insossas, sem nenhum molho, tempero ou criatividade.

As coisas parecem estar mudando. Antigamente futebol era um esporte que tinha o gol como objetivo. Agora, ao que tudo indica tornou-se uma modalidade de esporte em que o fator principal não é necessariamente fazer gols, mas não tomá-los das equipes adversárias. Confesso que não sabia que o futebol modernamente se joga assim, sem gols. Por isso, não tive e nem vou ter tempo de reavaliar os meus conceitos antes que a atual Copa Retranqueira Mundial de Futebol termine.

sábado, 5 de junho de 2010

Os herois da música de ontem em Araçatuba

É muito comum o fato de as comunidades, principalmente as interioranas, colocarem os esportistas entre aqueles que são autores de feitos importantes, que projetaram a cidade, que levaram o nome de seu município a partes distantes, etc. Muito provavelmente, a notícia de que algum atleta logrou conquistar determinado título ou obteve uma boa colocação em um torneio ou campeonato esportivo é muitos mais receptiva e tem um apelo muito mais forte. Afinal, esporte é um setor do qual a imprensa jamais se descuida, pois ele tem a simpatia do público, atrai leitores e dá visibilidade.
Conheço pessoas que abrem os jornais locais ou os de grande porte, como a Folha de S. Paulo e o Estadão e, com o perdão do trocadilho, entram em batalha campal para disputar acirradamente os cadernos especializados em esporte. Normalmente estes cidadãos passam ao largo das notícias sobre educação, saúde, política e economia, que são as que de fato mais têm importância e que interferem diretamente em suas vidas.
Tudo bem que os grandes times do Estado como Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos, quando perdem um jogo, podem provocar uma dor que se alastra por dias e semanas entre seus torcedores, até que uma vitória, mesmo que pálida, restabeleça a crença em outros resultados melhores e proporcionem uma recuperação a tais sofredores. Aliás, o esporte tem tanta força e tanta exposição na mídia que a situação atual e o futuro do país parecem depender decisivamente do balanço de perdas e ganhos entre as equipes, sem falar no aprofundamento do assunto quando o tema é seleção brasileira. É só lembrar da final entre Brasil e Uruguai, no Maracanã, na década de 50, quando um gol feito pelo atacante Giggia no último minuto do jogo derrotou o Brasil e levou o país a um a trauma sem precedentes em sua história e a uma comoção que durou meses.
Nos dias seguintes àquela fatalidade, as pessoas não encontravam ânimo para trabalhar, estudar, ir ao teatro, ao cinema ou a um show de música. Nada era forte o suficiente para tirar da cabeça do povo a sensação triste da derrota. O país parecia que havia deixado de existir. Esse tipo de sensação ocorre também quando a nossa seleção é desclassificada prematuramente nas copas.
É verdade, também, que esse tipo de destaque de herois às vezes contempla alguém que salva um semelhante prestes a morrer afogado, um empresário que investe o que tem e não tem em times de futebol, vôlei ou basquebol – modalidades entre as mais cotadas e de visibilidade e retorno mais garantidos - , um garoto prodígio que se torna notícia da noite para o dia ou por meio de outras possibilidades.
O que não se costuma ver são herois que pertencem à área artística. E o pouco ou nada do que se vê representam personagens que fizeram algo pela música de sua cidade. Pois acreditem: Araçatuba já teve seus herois na música, como os tem agora também.
Não levando em conta outros casos mais isolados que aconteceram ao longo das primeiras décadas de existência do município, um fato se tornou marcante no início dos anos 60 quando a cidade foi representada não por um, mas por vários herois ao mesmo tempo, todos reunidos em uma sólida e incrível equipe, senhores de seus talentos e mestres na arte de cantar ou tocar um instrumento.
Estou me referindo aos componentes dos Astros de Amanhã, um grupo criado pelo saudoso Edson “Bolinha” Curi, radialista que teve uma forte e impactante atuação no meio radiofônico de Araçatuba na época. Depois de iniciar um serviço de alto-falantes a partir do bairro Santana, onde fazia propaganda de empresas e incluía alguns números musicais, migrou para a solidez das rádios AM onde pôde estabelecer um programa fixo.
Bolinha passou pelo cast das Rádios Cultura e Difusora AM, para onde indefectivelmente levava o seu grupo de artistas cantantes ou tocantes. Passou mais tempo na Cultura AM, onde aproveitava o generoso espaço do Palácio Cine-Rádio, que juntava num mesmo prédio os estúdios da emissora e a sala de projeção do Cine Bandeirantes, onde promovia memoráveis encontros de música com os Astros de Amanhã, em que cada um desfilava com sua perfeição, dedicação e qualidade.
Os heróis tinham nomes: Alaíde Donatoni, Antonio Bombarda, Ayres Bucchi, Doracy Nascimento, Joaquim Coelho, Lúcio Collícchio, Marly Martinelli e Wagner Gomes. Em um momento histórico de abençoada iniciativa foram a São Paulo gravar nos estúdios da RGE/Fermata um long playing, com direito a acompanhamento de orquestra e arranjos do prestigiado maestro Enrico Simonetti, um dos mais famosos da época.
Naquele episódio seguiram para São Paulo apenas os cantores que Bolinha considerava já estarem no “último degrau”, ou seja, o lugar para onde iam os melhores, os perfeitos e já lapidados artistas. E ele acertou em todas as fichas em que apostou, pois o álbum realmente ficou excelente e com interpretações memoráveis e inesquecíveis.
As pessoas que tiveram o privilégio de comprar o LP na época o guardam com carinho e o consideram como se fosse uma relíquia, um verdadeiro tesouro. Pelo menos é o que acontece comigo. Ali está presente, de forma plena, cabal, exuberante e imorredoura a arte e o talento daqueles então jovens que colocavam o nome da cidade no mapa do Estado e do País.
É importante que sempre, mesmo passados tantos anos e décadas, nós reverenciemos estes feitos e aqueles que o legitimaram, pois significam verdadeiras conquistas históricas da cidade. Fico triste quando percebo que as pessoas só se preocupam com o presente e o futuro porque, segundo elas, a rigor é só o que realmente importa. No entanto, é preciso olhar para trás, observar a linha do tempo e observar tantos e tão significativos exemplos deixados por nossos antecessores, gestos que nos emocionam e nos deixam orgulhosos.
No que depender de mim, os Astros de Amanhã existirão para sempre. Deus e a Rádio Cultura FM me proporcionam a felicidade e o privilégio de frequentemente escalar estes grandes artistas para serem ouvidos tantas outras vezes e sempre, pois sua arte não acaba. É algo que ficará para a eternidade.________________________________