segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Frases soltas e (im)pertinentes

Gosto muito de ler em jornais, revistas e livros as citações de grandes mestres pensadores. É claro que, às vezes, nem é preciso ser um intelectual ou grande pensador para que se possa criar tais frases. Em muitos destas ocorrências, aliás, elas podem aparecer até mesmo em parachoques de caminhões e, no caso, tradicionalmente se referem a tiradas populares que sempre vêm com alto teor de humor. A soma destas pérolas espalhadas por todos os cantos do Brasil é conhecida como “filosofia de estrada”.

As citações – também chamadas popularmente de “pensamentos” - nos encantam, nos iluminam e nos levam à reflexão. Se atentarmos bem para seus conteúdos, formas e retóricas, veremos que significam expressões que trazem profundas lições sobre várias áreas da inteligência. Muitas delas, normalmente as melhores, são escritas por filósofos, mas tantas outras podem ser encontradas na verve dos escritores, cineastas, teatrólogos, pintores, artistas, etc.

Eu também me considero um pensador. E, parafraseando os grandes mestres, tratei de ir registrando algumas máximas que criei e escrevi ao longo da vida, que julgo poderem muito bem ser aplicadas em determinados casos, como se poderá ver. Assim, fui desenrolando meu cabedal de conhecimentos e extraindo da maça cinzenta as pérolas que seguem. Espero que elas possam figurar como deleite para alguns, como terapia para outros e até mesmo como lições de vida para terceiros. Eis, então, minhas contribuições para o mundo dos pensamentos.

“Existe um limite para a idiotice, a imbecilidade e a estupidez. Porém, curiosamente alguns seres humanos conseguem extrapolar em muito estas barreiras, alcançando pontos antes nunca atingidos no mundo das inutilidades.”

“Se os seres humanos utilizassem a lógica para determinar qual é a melhor forma de exercer seu comportamento, muitos deles iriam se envergonhar grandemente do que fazem.”

“Muitos indivíduos são tão inúteis, vazios, ignorantes, tolos, arrogantes e completamente atolados em mares de mediocridade, que nada têm a ensinar ou contribuir para com seus semelhantes. Na verdade, nada mais são do que amebas com ridículas pretensões de se tornarem insetos em um futuro remoto e distante.”

“O mais fraterno dos gestos humanos é o abraço, pois ele resulta da única possibilidade em que dois corações ficam o mais próximo possível um do outro.”

“Comentaristas de jogos esportivos são aqueles indivíduos que querem arranjar um jeito de fazer com que os dois times em campo ganhem a partida.”

“As pessoas, de um modo geral, falam muito bem dos esportes, que são as coisas mais perfeitas e aconselháveis do mundo e que todos deveriam praticar. Mas existe uma coisa que me deixa profundamente intrigado: se há um jogo em que um tem de necessariamente ganhar e o outro tem de necessariamente perder, isso não pode em hipótese alguma ser considerado como sendo uma coisa boa e recomendável. Assim, só existem coisas boas e recomendáveis quando todos ganham e ninguém perde.”

“Quando vejo dois boxeadores se batendo num ringue, com as manchas das pancadas espalhadas pelo rosto e sangue jorrando por todos os lados, tenho a exata noção de que o ser humano chegou, finalmente, à mais baixa e desprezível condição humana.”

“Aquelas cenas em que os toureiros, depois de humilharem o touro com aquelas roupas ridículas e gestos afeminados, perpetram suas espadas, uma a uma, até matar o animal, deveriam ocorrer ao contrário: ou seja, de tão estúpidas que são os bois é que deveriam montar nos toureiros e depois atolar as espadas no coração dos seus algozes.”

“As pessoas que saem às ruas, praças e logradouros com seus cachorros, para que estes possam fazer suas necessidades físiológicas em áreas públicas – porque não querem que eles o façam em suas casas -, deveriam sofrer as seguintes penalidades: recolher os dejetos do animal, limpar o lugar deixando-o exatamente como estava, pagar uma multa de cinco mil reais em vinte e quatro horas e ser levado de camburão para passar uma temporada de seis meses na cadeia.”

sábado, 4 de setembro de 2010

Abertura do Show "Trem Sentimental"

Eis aqui o texto de abertura que escrevi e li para o show "Trem Sentimental", ao lado de grandes e talentosos músicos de Araçatuba.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A gente vai estar estando...

Sabe c’umé, né? Valeu, cara! Pimba na gorduchinha! Sacou, mano? Chique no úrtimo...A gente vai tá fazendo.. Analisando esta sequência insólita de modismos e banalidades que assolam a estrutura da nossa bela língua portuguesa só faltou o aperfeiçoamento e progressão naturais da Nova Inteligência que adotará a frase “a gente vai estar estando...”. Mas pelo andar da carruagem vamos chegar a isso e em muito menos tempo do que pensamos.

Meus Deus, o que fizeram com a última flor do Lácio, o nosso idioma de todos os romances, poesias, belezas e encantamentos? Que destino cruel decretaram para a língua de Camões, Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Rachel de Queirós e tantos outros mestres na arte de escrever?

Confesso que ando amedrontado com o que leio e ouço das pessoas, principalmente quando estão se comunicando de maneira informal, livre e solta. Parece que foi instalada de vez a ditadura da pobreza educacional e da mediocridade intelectual.

Excetuando-se as escolas, revistas, jornais, outras formas de mídia respeitáveis e as instâncias onde o rigor gramatical precisa ser observado, porque é fonte de aprendizado, cultura e identidade – e exatamente por isso se transformam nos últimos bastiões da integridade de nossa língua -, o que resta e se nota é algo de estarrecer até os mais incultos dos seres falantes.

O empobrecimento da fala e da escrita é uma realidade inconteste. Às vezes, por mais que se tente ler e entender o que algumas pessoas querem dizer quando escrevem ou falam, mais chegamos à conclusão de que a língua utilizada neste “esforço” não é o idioma português. O despreparo é flagrante e o desconhecimento de regras elementares de gramática, principalmente concordâncias e regências, simplesmente vexatório.

As pérolas reunidas em programas de humor sobre o que os alunos escrevem em vestibulares são incríveis. E, neste caso, não se revela apenas o fato de que alguém não sabe escrever ou falar, mas o de não fazer a menor ideia sobre pontos e matérias cujo teor, contexto e conteúdo os estudantes deveriam dominar quando aspiraram a graus superiores de ensino.

Ao que tudo indica, parece estar ocorrendo um devastador processo de avacalhação de conhecimento, imposto por novos e infames costumes, que vem se instalando e, paulatinamente, ceifando as últimas fronteiras do que seria o lógico e o minimamente aceitável. Os meios de comunicação de massa e os modismos se encarregam de a cada dia criar neologismos, a maioria sem utilidade e sem sentido. Os jovens adotam e introduzem gírias criando seu próprio dialeto e o internetês se transformou em uma espécie de língua paralela, porém entendido como sendo uma vertente de nosso idioma, o que é mais desolador.

O que se percebe é que novos termos e expressões são introduzidos e ficam valendo no processo de comunicação. A isso se soma a preocupação de que, segundo estatísticas, o universo vocabular médio e geral de uma pessoa comum, no Brasil, gira em torno de 300 palavras. Ou seja, um cidadão brasileiro usa para sua comunicação no trabalho, na família, no seu círculo de amizades e na sociedade algo próximo de apenas 300 palavras.

A culpa nem é das escolas e dos professores que trabalham nas primeiras fases do aprendizado, pois nestas instituições ainda existem aqueles que se dedicam ao ensino com responsabilidade, procurando transmitir aos alunos a importância daquilo que ensinam. Até porque não se pode admitir que diante de uma classe de alunos não haja um docente preparado, conhecedor de sua profissão. O problema está mais no aluno, por conta dos vícios que ele adquire fora da escola e dos modismos e posturas inconsequentes que adota no seu dia a dia.

Deve-se enaltecer e levar em conta, é claro, as manifestações de interesse de pessoas ávidas por aprender e por buscar alternativas através das quais possa ir assimilando novos ensinamentos. Isso se dá, por exemplo, através da leitura de bons textos, como aqueles dos bons romances, das belas e perfeitas poesias, das excelentes reportagens em revistas e jornais de credibilidade. Ou seja, o estudante não deve depender só da escola para aprender, pois grande parte de suas conquistas precisa vir de sua vontade própria, de sua sede pelo saber, de sua curiosidade e de seu desejo de crescer intelectualmente.

A situação no trato do nosso idioma é tão grave que há algum tempo o ex-governador do Distrito Federal, não contente com as respostas frequentes de seus colaboradores, que às suas indagações e questionamentos lhe respondiam sempre com um invariável “estamos providenciando”, demitiu sumariamente a figura do gerúndio. Provavelmente, o que o governador, ele próprio desorientado e pouco apegado ao intelecto, queria mesmo era defenestrar o gerundismo, este sim uma praga crônica da atualidade, em que os desavisados falam coisas do tipo “a gente vai tá fazendo...”

A rigor, o gerúndio é um tempo verbal legítimo que utilizado de forma correta e adequada é perfeitamente legal. Mas a pergunta que não quer calar é: e agora, o que mais virá por aí em termos de sandices, imbecilidades, idiotices, vulgaridades e babaquices?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Eu, Pernilongo; você, meu sangue...


É amigos, sou esta celebridade que acumula cada vez mais fama em todo o Brasil, quiçá no mundo, e que inferniza a sua vida e a de todos os seus semelhantes. Sei que você é um ser humano honesto, esforçado e dá literalmente o seu sangue para conseguir o seu sustento e o de seus entes queridos. Eu, entretanto, confesso que sou um ser altamente dependente, um chupim na sua forma mais clássica, um verdadeiro sanguessuga que precisa dos outros para sobreviver. Assim, concordo que não tenho nenhum mérito ou valor, porque não produzo nada de interessante; muito pelo contrário, provoco um flagelo entre vocês, pessoas de ambos os sexos e idades.
Talvez você nem conheça algumas particularidades a meu respeito. Por exemplo, que aquela que te pica, ou seja, eu, sou do gênero feminino. É isso mesmo: sou fêmea e, a exemplo das leoas que saem para a busca do sustento da família, cabe a mim a tarefa diária de sugar o seu sangue, me manter viva e criar a minha prole, garantindo assim a perpetuação da minha espécie. E não pense que isso é fácil de fazer. Tenho, é claro, a facilidade e felicidade de não precisar escolher as minhas vítimas, porque sangue é sangue em qualquer situação. Todavia, obtê-lo não é um trabalho “moleza”, como se poderia considerar à primeira vista. Preciso, antes, adotar uma série de procedimentos de forma a ter sucesso em minhas empreitadas.
Assim, o primeiro passo é escolher um lugar bom de seu corpo, preferencialmente onde você não me veja, aproveitar o fato de você estar distraído, aplicar uma espécie de “anestesia” – para você não sentir o baque e não querer ficar me incomodando - até porque eu gosto de sugar os outros em paz – e introduzir um recurso físico que eu tenho e que se parece muito com o ferrão das abelhas. Você pensa que é simples ferrar você profundamente, ou seja, ir fundo com meu comprido bico até alcançar as camadas mais ricas de seu pré-sal, quero dizer, pré-sangue?
Outra coisa: para mim também não é nada fácil ter de ficar dando aqueles goles contínuos e intensos, de forma a ir subtraindo o “precioso líquido vermelho” de seu corpo e ir depositando-o em minhas entranhas. Na verdade, este esforço é bastante extenuante. E fique sabendo que depois de finalizado o meu trabalho eu só voo lentamente e “pesadona” porque consumi uma energia imensa picando e ferrando você, e não porque meu estômago está cheio do seu delicioso sangue.
Confesso também que o meu companheiro, o meu “homem”, ou macho – como vocês chamam – é um ser inútil e praticamente um desocupado. Não é ele que vai à luta para obter o sangue nosso de cada dia. Na verdade, é um sujeito simplório e preguiçoso que se contenta em consumir gravetos, folhagens e outras coisas menos nobres que nem de perto têm o sabor sublime, nutricional e altamente reconfortante do sangue humano. Quer dizer: meu marido é tão chulo que nem sabe escolher uma boa bebida.
Outra coisa que eu percebo é que os humanos mais perdem tempo em achar um nome para a minha espécie do que efetivamente em me combater e me exterminar. Assim, vivem arrumando umas palavras em latim, uma língua já morta e que ninguém mais entende, criando classificações estranhas. Vejam quantas coisas vocês escrevem só para me identificar: que sou do reino Animália, da filo Arthropoda, da classe Insecta, da ordem Díptera, da subordem Nematocera, da família Culicidae, da subfamília Culicinae, do gênero Aedes, do sub-gênero Stegomyia e da espécie Aedes Aegypti. Mas dizem, também, que sou conhecido como, aí sim, pernilongo – meu verdadeiro nome, aliás, obrigado! - muriçocas ou carapanãs. Se isto não bastasse, deram até um título para os estragos que eu consigo fazer, esse palavrão chamado dengue. Pode?
E mais, meu amigo: de boba eu não tenho nada. Pensa que eu não fico à espreita para saber onde você deixou descuidadamente aquele restinho de água, em um vaso, na planta, nas calhas da sua casa, nos pneus, em qualquer lugar onde eu possa exercer a maravilhosa arte da procriação? Saiba que me basta só um pouquinho dela – bem limpinha e arejada, de preferência, porque sou altamente seletiva – para eu depositar meus lindos ovinhos e daí a alguns dias dar vida aos meus pequeninos. Afinal, eles são seres vivos que também querem ter um lugar ao sol.
Vocês até tentam me intimidar jogando para cima de mim uma fumaça horrível, mas, cá pra nós, já percebi que ela tem mais cheiro do que eficácia. Quando meus algozes vêm, prendo a respiração e vou para outro lugar. No fundo no fundo, eu até considero você um grande aliado meu, porque não vive querendo acabar com o acúmulo de água aqui ou ali, dificultando a minha vida e me impedindo de dar à luz. Infelizmente, não posso agradecer você de outra forma por esta grande deferência, a não ser estar sempre direcionando o meu longo bico para as partes mais frágeis do seu corpo e fazendo-o perder alguns gramas do sagrado líquido que me mantém viva e atuante.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Copa da Retranca



Será que podemos considerar o Campeonato Mundial de 2010 da África do Sul como sendo a Copa da Retranca? Até o momento em que fechávamos este comentário e salvo as vitórias da Alemanha sobre a Austrália, do Uruguai sobre a África do Sul e de Portugal sobre a Coreia do Norte, com um bom repertório de gols e cujas seleções derrotadas não têm um histórico forte de participações na grande festa esportiva, o que se está vendo nos jogos é um festival de emboladas, de um lado e de outro. E tais emboladas só estão acontecendo em um dos lados do campo graças a um ou outro contra-ataque esporádico de alguns jogadores mais ousados e insatisfeitos com a presente situação.

Os resultados têm sido parcos, pífios e mixurucas, nem de longe demonstrando a grandeza e a tradição de seleções como a do Brasil, Argentina, Espanha, Itália e Inglaterra. É claro que as demais seleções também merecem respeito, até porque se chegaram ao seleto clube dos participantes de uma Copa do Mundo é porque tiveram mérito e competência nas fases de classificação.

Porém, o que se vê claramente é uma fortíssima e descarada retranca funcionando. Os times juntam todos os seus atletas em seu campo e, mais propriamente, em sua grande área e proximidades e montam uma barreira natural, uma muralha de gigantescas proporções, onde não há espaço sequer para uma bola de futebol passar. E as cenas, repetidas até a exaustão, são as das bolas chutadas e o natural e indefectível rebate, seguido de outra tentativa de finalização e de outra defesa contrária.

Até existem algumas das seleções, como a do Brasil, por exemplo, que mostram ter um caráter grandemente ofensivo - sem considerar o jogo com Portugal -, com jogadores hábeis e de grande talento que podem fazer a diferença diante dos guarda-roupas que as equipes estão colocando estrategicamente em suas defesas. Mas estes times sucumbem facilmente à mediocridade dos demais que parecem ter ido à Copa somente para promover um “campeonato de defesas”. Quando a tônica é esta, ou seja, a da defesa a qualquer custo, o jogo fica feio, desmotivador e chato, surgindo como um estímulo para que exerçamos o nosso direito de desligar a televisão.

Afinal, a concentração de todos os jogadores de um mesmo time na grande área e cercanias desta é tão constante que até os goleiros estão tendo dificuldade de ver as bolas chutadas e imaginar para que lado devem voar caso as enxerguem ocasionalmente vindo em sua direção.
A continuar neste tom é até fácil imaginar o que vai acontecer com os próximos jogos, quando começa a haver a peneirada de sempre. Os fracos vão saindo, os fortes permanecem mas com eles ficam também as defesas retranqueiras pesadas, as mesmas que tornam as partidas insossas, sem nenhum molho, tempero ou criatividade.

As coisas parecem estar mudando. Antigamente futebol era um esporte que tinha o gol como objetivo. Agora, ao que tudo indica tornou-se uma modalidade de esporte em que o fator principal não é necessariamente fazer gols, mas não tomá-los das equipes adversárias. Confesso que não sabia que o futebol modernamente se joga assim, sem gols. Por isso, não tive e nem vou ter tempo de reavaliar os meus conceitos antes que a atual Copa Retranqueira Mundial de Futebol termine.

sábado, 5 de junho de 2010

Os herois da música de ontem em Araçatuba

É muito comum o fato de as comunidades, principalmente as interioranas, colocarem os esportistas entre aqueles que são autores de feitos importantes, que projetaram a cidade, que levaram o nome de seu município a partes distantes, etc. Muito provavelmente, a notícia de que algum atleta logrou conquistar determinado título ou obteve uma boa colocação em um torneio ou campeonato esportivo é muitos mais receptiva e tem um apelo muito mais forte. Afinal, esporte é um setor do qual a imprensa jamais se descuida, pois ele tem a simpatia do público, atrai leitores e dá visibilidade.
Conheço pessoas que abrem os jornais locais ou os de grande porte, como a Folha de S. Paulo e o Estadão e, com o perdão do trocadilho, entram em batalha campal para disputar acirradamente os cadernos especializados em esporte. Normalmente estes cidadãos passam ao largo das notícias sobre educação, saúde, política e economia, que são as que de fato mais têm importância e que interferem diretamente em suas vidas.
Tudo bem que os grandes times do Estado como Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos, quando perdem um jogo, podem provocar uma dor que se alastra por dias e semanas entre seus torcedores, até que uma vitória, mesmo que pálida, restabeleça a crença em outros resultados melhores e proporcionem uma recuperação a tais sofredores. Aliás, o esporte tem tanta força e tanta exposição na mídia que a situação atual e o futuro do país parecem depender decisivamente do balanço de perdas e ganhos entre as equipes, sem falar no aprofundamento do assunto quando o tema é seleção brasileira. É só lembrar da final entre Brasil e Uruguai, no Maracanã, na década de 50, quando um gol feito pelo atacante Giggia no último minuto do jogo derrotou o Brasil e levou o país a um a trauma sem precedentes em sua história e a uma comoção que durou meses.
Nos dias seguintes àquela fatalidade, as pessoas não encontravam ânimo para trabalhar, estudar, ir ao teatro, ao cinema ou a um show de música. Nada era forte o suficiente para tirar da cabeça do povo a sensação triste da derrota. O país parecia que havia deixado de existir. Esse tipo de sensação ocorre também quando a nossa seleção é desclassificada prematuramente nas copas.
É verdade, também, que esse tipo de destaque de herois às vezes contempla alguém que salva um semelhante prestes a morrer afogado, um empresário que investe o que tem e não tem em times de futebol, vôlei ou basquebol – modalidades entre as mais cotadas e de visibilidade e retorno mais garantidos - , um garoto prodígio que se torna notícia da noite para o dia ou por meio de outras possibilidades.
O que não se costuma ver são herois que pertencem à área artística. E o pouco ou nada do que se vê representam personagens que fizeram algo pela música de sua cidade. Pois acreditem: Araçatuba já teve seus herois na música, como os tem agora também.
Não levando em conta outros casos mais isolados que aconteceram ao longo das primeiras décadas de existência do município, um fato se tornou marcante no início dos anos 60 quando a cidade foi representada não por um, mas por vários herois ao mesmo tempo, todos reunidos em uma sólida e incrível equipe, senhores de seus talentos e mestres na arte de cantar ou tocar um instrumento.
Estou me referindo aos componentes dos Astros de Amanhã, um grupo criado pelo saudoso Edson “Bolinha” Curi, radialista que teve uma forte e impactante atuação no meio radiofônico de Araçatuba na época. Depois de iniciar um serviço de alto-falantes a partir do bairro Santana, onde fazia propaganda de empresas e incluía alguns números musicais, migrou para a solidez das rádios AM onde pôde estabelecer um programa fixo.
Bolinha passou pelo cast das Rádios Cultura e Difusora AM, para onde indefectivelmente levava o seu grupo de artistas cantantes ou tocantes. Passou mais tempo na Cultura AM, onde aproveitava o generoso espaço do Palácio Cine-Rádio, que juntava num mesmo prédio os estúdios da emissora e a sala de projeção do Cine Bandeirantes, onde promovia memoráveis encontros de música com os Astros de Amanhã, em que cada um desfilava com sua perfeição, dedicação e qualidade.
Os heróis tinham nomes: Alaíde Donatoni, Antonio Bombarda, Ayres Bucchi, Doracy Nascimento, Joaquim Coelho, Lúcio Collícchio, Marly Martinelli e Wagner Gomes. Em um momento histórico de abençoada iniciativa foram a São Paulo gravar nos estúdios da RGE/Fermata um long playing, com direito a acompanhamento de orquestra e arranjos do prestigiado maestro Enrico Simonetti, um dos mais famosos da época.
Naquele episódio seguiram para São Paulo apenas os cantores que Bolinha considerava já estarem no “último degrau”, ou seja, o lugar para onde iam os melhores, os perfeitos e já lapidados artistas. E ele acertou em todas as fichas em que apostou, pois o álbum realmente ficou excelente e com interpretações memoráveis e inesquecíveis.
As pessoas que tiveram o privilégio de comprar o LP na época o guardam com carinho e o consideram como se fosse uma relíquia, um verdadeiro tesouro. Pelo menos é o que acontece comigo. Ali está presente, de forma plena, cabal, exuberante e imorredoura a arte e o talento daqueles então jovens que colocavam o nome da cidade no mapa do Estado e do País.
É importante que sempre, mesmo passados tantos anos e décadas, nós reverenciemos estes feitos e aqueles que o legitimaram, pois significam verdadeiras conquistas históricas da cidade. Fico triste quando percebo que as pessoas só se preocupam com o presente e o futuro porque, segundo elas, a rigor é só o que realmente importa. No entanto, é preciso olhar para trás, observar a linha do tempo e observar tantos e tão significativos exemplos deixados por nossos antecessores, gestos que nos emocionam e nos deixam orgulhosos.
No que depender de mim, os Astros de Amanhã existirão para sempre. Deus e a Rádio Cultura FM me proporcionam a felicidade e o privilégio de frequentemente escalar estes grandes artistas para serem ouvidos tantas outras vezes e sempre, pois sua arte não acaba. É algo que ficará para a eternidade.________________________________

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A arte de (bem) escrever

Escrever é uma arte, assim como o é, também, cantar, declamar, pintar, atuar no teatro e no cinema ou praticar tantas outras formas de manifestações culturais. Porém, chama a atenção um lado talvez pouco observado dos jornalistas e articulistas brasileiros, muitos deles capazes de elaborar excelentes textos repletos de elegância e criatividade. Foi o que notei lendo alguns artigos na imprensa e observando a performance de alguns de seus brilhantes autores, muitos deles fazendo uso de frases já conhecidas para dar um melhor significado às suas próprias matérias.

Marcelo Câmara, por exemplo, ao discorrer em um dos cadernos do Estadão sobre a cachaça brasileira, por ocasião da comemoração da 100ª edição do caderno de culinária do jornal que na semana seguinte chegaria a este número, assim intitulou o artigo: “A centésima é por nossa conta.” Por sua vez, Dias Lopes, outro excelente colaborador do jornal, ao escrever sobre o rei Dom João II, que governou Portugal entre 1481 e 1495, e seus sempre monumentais banquetes oferecidos a seu séquito e demais cordões de puxa-sacos, referiu-se a ele, no título da matéria, como “Dom João II, um rei festeiro”.

Lucas Frasão, que costuma escrever artigos para publicações na área de turismo, ao fazer sua matéria sobre as maravilhosas corredeiras que se estendem por seis mil metros no rio Jacaré-Pepira, em Brotas, a 246 km de São Paulo, assim se manifestou: “Corredeira pra cachorro”. É que o local abriga um antigo costume, por meio do qual os praticantes que vão desafiar as corredeiras do rio com seus barcos sempre levam consigo um cachorro, não por acaso “o melhor amigo do homem”. E como bem lembrou o autor, é curioso como os animais, acostumados à vida agitada nas cidades, aproveitam as partes de águas mansas do rio para se desestressarem e recarregarem suas baterias.


Os exemplos de criatividade não param aí: Carla Miranda, articulista de turismo, tendo a Grécia como tema de uma de suas matérias, assim a intitulou: “Comece por Atenas sua epopeia particular pelo país dos deuses”. É bem verdade que ela escreveu seu artigo com toda esta tranquilidade em junho de 2008, muito antes da atual crise daquela nação, que está deixando a Europa e o resto do mundo de cabelo em pé e com a pulga atrás da orelha.

Você também por certo conhece a expressão “ir direto ao ponto”. Significa ir de pronto ao âmago de uma questão, ou seja, resolvê-la de imediato, sem tergiversar e nem desviar do assunto. Porém, Rita Loiola, usou a mesma expressão para referir-se às carnes mais nobres dos bovinos, emendando, ainda, a citação “crocantes por fora e tenras por dentro”. Já Michelle Alves de Lima contrariou o costume das pessoas de oferecem tradicionalmente aos visitantes alguma bebida alcoólica para brindar por qualquer coisa. E trocou esta possibilidade pelo simples convite “aceita uma água?”, ao abordar as muitas qualidades das águas minerais encontradas no Brasil. Daí decorre, ainda, que aquela famosa frase “mudou da água para o vinho”, que ela habilmente utilizou de forma invertida para um dos subtítulos de sua matéria, também teve razão de ser, pois ali mesmo ela abordou o caso de uma pessoa que, por razões médicas, havia sido proibida de ingerir vinho, sendo aconselhada a tomar água em seu lugar. E mais: em outro ponto de seu belo artigo sobre o tema enumerou alguns tipos de “águas que vão muito além da sede”. Bonito, não?

Um articulista anônimo da grande imprensa, usando a velha máxima popular “tem gente que só fala abobrinha”, referindo-se evidentemente àqueles que falam demais, ao escrever sobre este produto para uma coluna de culinária, retrucou: “Não é só abobrinha”. Mudando da água para o vinho, ou seja, da culinária para a informática, que tal saber o que Gustavo Miller escreveu sobre a prática que as pessoas têm de ouvir música com fones de ouvido? - “Fone de ouvido: aprecie com moderação”, certamente lançando mão de uma frase comum nos anúncios de bebidas alcoólicas e referindo-se aos males que este recurso causa aos tímpanos das pessoas se estas o usarem com constância.

Outro jornalista, ao falar das delícias da culinária da Itália, em sua região próxima à Suíça, preferiu dar o seguinte título à sua matéria: “Gulodices do norte da bota”. Bota é um termo muito utilizado para representar a Itália, pois os contornos geográficos do país fazem um desenho perfeito deste vestuário dos pés. Já o jornalista Jacques Trefois, ao escrever um artigo sob encomenda para um grande jornal falando sobre a vida de um exímio e famoso conhecedor de chocolate, assim intitulou a sua matéria: “Pierre Hermé: artista, chocólatra”, criando, assim, um neologismo, ou seja, uma nova palavra para o nosso já rico vocabulário.

Mas uma das maiores sacadas em artigos sobre os temas aqui abordados certamente partiu da articulista Carla Conte. Ao tratar da abundância no território brasileiro dos muitos tipos da banana, não teve dúvidas e deu o seguinte título à sua matéria: “República das bananas”. A expressão, como todos sabem, é uma referência altamente pejorativa para alguns países, principalmente os latino-americanos, conhecidos por serem politicamente instáveis, submissos às nações mais ricas e frequentemente dominados por governos corruptos e opressores. A propósito, a expressão foi cunhada pelo cronista norte-americano William Sydney Porter, que utilizava o pseudônimo O. Henry. A referência inicialmente se destinava a Honduras e foi apresentada pela primeira vez no livro de contos curtos Cabbages and Kings, de 1904, ambientados justamente na América Central.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O Mestre da Vida


As loucuras e desvirtuamentos completos do mundo atual, podem, de certa forma, serem comparados ao que se passa em um interessante filme produzido em 2006, dirigido pelo cineasta George Gallo. Nele, o veterano ator Armin Mueller Stahl interpreta o pintor russo Nicoli Seroff, já aposentado e extremamente desiludido com os rumos que a arte da pintura tomou em nosso tempo. O ator coadjuvante Trevor Morgan faz, por sua vez, o papel do jovem John Talia Jr., que deseja de toda maneira dedicar a sua vida àquela arte.

O melhor do filme, cujo título em português é “O Mestre da Vida” (Local Color), parece não ser exatamente a química criada e estabelecida entre um homem idoso, cansado e que vive isolado e um adolescente em pleno vigor de sua juventude, ansioso por aprender a pintar com um expert no assunto. Ao contrário, o que se evidencia é o mundo tresloucado atual, em que qualquer coisa feita com qualquer objeto é imediatamente aceita como sendo “arte de vanguarda”, um “insight criativo” ou uma “descoberta incrivelmente inovadora”.

Relutando por anos a retornar ao métier, por julgá-lo desfigurado e sem sentido, Seroff – depois de receber um novo sopro de entusiasmo por conta da companhia do jovem aprendiz que não só o acompanha como também mora na casa do velho pintor por um bom tempo - resolve aceitar um convite para fazer parte de um júri em um festival de pinturas da pequena cidade onde mora. Ao entrar no ambiente onde as “obras” estão expostas e ver as primeiras duas que encontrou pela frente quase dá meia volta e vai embora, balançando negativamente a cabeça diante daquilo que considerou uma verdadeira atrocidade a que muitos chamam de arte.

No primeiro caso, ele se depara com duas rodas dentadas. Indaga ao autor do “trabalho” sobre o significado daquilo e ouve como resposta que se trata de “uma visão filosófica do movimento”, demonstrando que colocadas em rotação as rodas “se movimentariam mutuamente”. No segundo caso, aproximou-se de um sujeito que apreciava com deslumbramento total um quadro que ele próprio pintara, com toda a extensão da tela pintada em preto, sem nenhum outro traço. Resolveu perguntar ao deslumbrado artista o que significava aquela “pintura” toda em preto, ouvindo a explicação de que se tratava da “bidimensionalidade do tempo”.

Arrependido por ter aceitado o convite, comentou que, diante do que vira, não levaria muito tempo para um sujeito encher um balde de urina e exibi-lo no Metropolitan de Nova York, sendo tal ideia apontada por quem a criou como arte pura e por quem a visse como algo extremamente criativo. Aí não teve dúvidas, abandonou o lugar imediatamente, imaginando que não sobreviveria aos próximos exemplos se ali permanecesse.

Em outra cena marcante e hilária, exibe para o grande amigo e expert em pintura, Curtis Sunday, vivenciado pelo ator Ron Perlman, uma série de desenhos que mostravam pinceladas aleatórias, aparentemente sem nenhum nexo ou sentido. A cada desenho, diante de um Curtis enlevado, embevecido e maravilhado pela espetacular sequência de quadros que via à sua frente, ouvia as mais estapafúrdias explicações sobre o que os artistas que os pintaram queriam dizer. Um transmitia “amargura e tensão”, o outro trazia um “que” de paixão e êxtase, um terceiro certamente significaria o advento de uma nova mentalidade mundial, etc., e assim por diante, até o último dos pequenos quadros.

Seroff o interrompeu e disse que, na verdade, todos aqueles desenhos haviam sido feitos por um grupo de crianças excepcionais, a quem ensinava pintura como forma de solidariedade e terapia. Não que as pinturas dos meninos não tivesse razão alguma, mas estavam longe de guardar todos aqueles significados demorada e detalhadamente analisados pelo amigo expert em arte. Seroff, a própria esposa de Curtis e o jovem aprendiz John Thalia tiveram um ataque de riso tão duradouro e intenso que por pouco não perderam o fôlego e morreram. Este, talvez, seja o melhor momento do filme.

Mas não só a pintura encerra tais episódios. Todas os gêneros de arte, de uma maneira geral, estão enfrentando situações que estranhamente insistem em “evoluir” para um empobrecimento quase que total, chegando em alguns casos, a provocar vexames. Outro dia li em jornal da capital um artigo sobre as “criações” de um artista “multimídia”. O trabalho do cara pálida mostrava cadeiras feitas com galhos rústicos de árvore, sendo que a parte destinada ao assento era visivelmente bem desconfortável. Mas nem por isso deixou de ser saudado pelo articulista “crítico” como sendo “uma incrível e maravilhosa tendência da arte moderna voltada para a elocubração e compreensão de possíveis caminhos para o bem-estar e o mundo interior de cada um, blá, blá, blá...”. Fiquei imaginando como os possíveis compradores daquelas cadeiras iriam se sentar nelas, com aqueles espetos de pau que estavam no assento todos voltados para cima e demonstrando serem itens “altamente penetrantes”.
É, acho que o mundo mudou mesmo e com ele também a arte se modificou. Nós, que nos acostumamos a apreciar artistas menores como Rembrandt, Renoir, Da Vinci, Monet e tantos outros desta estirpe, é que estávamos errados.

sábado, 17 de abril de 2010

Os acentos gráficos podem se tornar obsoletos?


Já estão em vigor as regras do novo acordo ortográfico assinado entre países que falam a língua portuguesa. Haverá um prazo de três anos para adaptação e até que se finde este tempo as duas formas de escrever uma mesma palavra serão aceitas, como no caso de idéia/ideia. Entretanto, jornais, revistas, agências de publicidade, universidades e escolas de um modo geral já adotaram as novas regras.

É curioso constatar que tais mudanças, embora num primeiro momento causem espanto e até confusão, depois acabam sendo assimiladas pela população e os novos mistérios vão caindo por terra. A Lei n.º 5765, de 18 de dezembro de 1971, por exemplo, suprimiu o acento circunflexo na distinção dos homógrafos, responsável por 70% das divergências ortográficas com Portugal, e fez o mesmo com relação aos acentos que marcavam a sílaba subtônica nos vocábulos derivados com o sufixo mente ou iniciados por z. Entretanto, há uma certa tendência para que pessoas com idades mais avançadas apresentem resistências para concordar com as inovações. Assim, continuam escrevendo govêrno, êle, Zèzinho, fàcilmente, cômodamente, etc., ou até insistem em manter o trema em palavras como saüdade, por exemplo. Porém, de um modo geral, ninguém hoje se lembra de que tais palavras eram assim escritas.

Eu, que vivenciei as mudanças feitas em 1971, percebi que na época a decisão causou um certo desconforto e até mesmo gerou críticas por parte de professores, educadores e filólogos. Porém, como apropriadamente diz o estudioso do idioma e imortal da ABL, Evanildo Bechara, mudanças ortográficas sempre são feitas para as próximas gerações, não para as atuais. De fato, um adolescente de nosso tempo nem sequer saberia que as palavras toda e nele, que também podiam se apresentar acentuadas (tôda, nêle) assim vinham escritas para se diferenciarem das homógrafas que, respectivamente, significavam um pássaro originário da Jamaica e um tipo de arroz de casca da Índia.

Tal fato igualmente vai acontecer com relação às atuais mudanças. Nós estranharemos um pouco as alterações, mas as próximas gerações nem perceberão a diferença.

Ocorre, também, que algumas coisas, ainda que pudessem representar uma simbologia e talvez até manter e guardar um caráter nostálgico para nós, tinham razão para desaparecer. Ninguém deixará de falar tranquilo (pronunciando bem a letra “u”) só porque não há mais trema nesta palavra. O mesmo exemplo serve para todos os outros termos nos quais se indicava a necessária presença fonética desta letra.

Diante da evolução destes conceitos, ou seja, de que tais diferenciadores podem – e devem – gradativamente – ser extintos, prevejo que em breve os governos dos países lusófonos vão acabar por tirar, também, o acento nos ditongos abertos de palavras oxítonas, como nos casos de herói, constrói, anéis e papéis, passando estas a serem grafadas como heroi, constroi, aneis e papeis. Ou dos ditongos abertos como em chapéu (chapeu), céu (ceu) e véu (veu). As crianças do futuro vão crescer assimilando o fato de que suas pronúncias têm o “e” sempre aberto, assim como hoje ocorre com o termo “loja”, em que sabemos que “o” tem som de “ó” e não não de “ô”.

O fenômeno de se pronunciar vogais abertas ou fechadas de forma natural está presente em outros idiomas, como no caso do inglês. A palavra “love”, por exemplo, tem na letra “o” um som aberto e quase nasalizado, podendo ser foneticamente grafada como um misto de “lóve” e “lõve”. Ou seja, todos as pessoas de países de língua inglesa nascem, crescem e amadurecem pronunciando este termo sempre de idêntica forma. Os povos de língua portuguesa também aprenderão a fazer o mesmo e, na quase totalidade dos casos, independentemente da presença ou não de acentos diferenciais.

Se imaginarmos quantas mudanças podem ser adotadas, veremos que há outras possibilidades de adaptação. Assim, haveria problemas se fosse eliminado, também, o acento de palavras paroxítonas (como lápis, bônus, táxi, etc.)? Observe que, mesmo sem ele, ninguém vai pronunciá-las como sendo lapís, bonús e taxí.

Avancemos mais e analisemos, comparativamente, as proparoxítonas, em que a regra diz que todas, sem exceção, são acentuadas. Seria impensável abolir alguns acentos neste tipo de palavra? Não, porque algumas delas, como trágica, bárbaro, lógica e milhares de outras podem perder o acento e ainda assim não sofreriam prejuízo nas suas pronúncias. Ou seja, tais mudanças não implicariam alterações na fala, mas somente na forma gráfica. Outras, que de alguma forma se transformam em verbos (como pagina e fabrica, terceira pessoa do presente do indicativo de paginar e fabricar, por exemplo) permaneceriam com os acentos para que continuassem com as diferenciações. Na frase “ele fabrica tijolos”, por exemplo, ficaria claro que a pessoa estaria utilizando o termo “fabrica” como verbo e não como um substantivo. Ou isso seria complicado demais para entender?

Se isto viesse a acontecer haveria um empobrecimento da língua? Diante da opinião do professor Bechara de que mudanças feitas agora sempre servem para o futuro, é possível que tudo possa ocorrer. O português estaria, então, caminhando para se assemelhar aos idiomas que não têm acentos gráficos e que os povos falam de forma natural, independentemente da presença ou não destes sinais diferenciais?

sábado, 10 de abril de 2010

Aventuras de um colecionador

Quando a tecnologia do compact disc, o conhecido CD, surgiu em 1987 através de um protótipo da Phillips holandesa, logo incorporado pela Sony nipônica, tive pesadelos e sobressaltos. Por um lado, ficava – como aconteceu com todos – maravilhado pela chegada da época em que finalmente se poderia ouvir música sem os tradicionais chiados e ruídos dos discos de vinil. Por outro, temia pelo destino que a música teria a partir de então.

Fiquei imaginando como seria a nossa convivência com o CD, uma espécie de “carta de alforria” para os sons gravados. Calculava que, por ser uma descoberta inovadora, o sistema digital só abrigaria músicas principalmente feitas a partir daquele momento. É claro que pensava também que uma incursão ou outra ao passado – como se fazia também com os long-playings – seria uma prática das gravadoras, talvez esporádicas, embora achasse que pela importância da nova tecnologia somente as “coisas novas” teriam chance de sair no novo formato.

Foi quando comecei e pensar: “Pronto, e agora o que nós, colecionadores, vamos fazer com as centenas de discos de vinil, acumulados durante anos e anos, desde que praticamente nos entendemos por gente, lá pelos idos de 1950?” Tinha medo de que com os novos modismos e essa suicida e estranha preferência da maioria das pessoas pelo que não presta, por lixos tóxicos a que chamam de música, as gravadoras só se aventurassem para produzir aquilo que o “povo” queria. Isso representaria, por certo, o fim definitivo da era da inteligência.

Houve, sim, uma esmagadora preferência por coisas ruidosas e sem sentido, que de certa forma os selos impunham e continuam impondo aos incautos, cada vez com maiores índices de ousadia . Quem passa por uma banca de CDs dessas tradicionais lojas de departamentos terá melhor noção do que escrevo. Noventa e cinco por cento do que ali está não vale um centavo furado, é lixo puro, uma droga que nem mesmo as pessoas de mau gosto confirmado vão comprar. Vejam como há milhares de encalhes nas prateleiras destes lugares, coisas que não saem nem por preços abaixo de custo.

Porém, para minha surpresa, as gravadoras viram na nova tecnologia do CD que surgia uma oportunidade talvez não exatamente para satisfazer os saudosistas, mas para ganhar dinheiro. Assim, pensaram: “Puxa, se nós reeditarmos muito daquilo que temos em nossos velhos e antigos acervos, muitos velhotes e dinossauros poderão se interessar e comprar de novo tudo aquilo que tinham colecionado em vinil”. De fato, a partir de 1988, no Brasil – e acredito que também no exterior -, os colecionadores passaram a enfrentar uma corrida pela busca dos valores do passado, já que em poucos anos nem mesmo as agulhas que tiravam sons dos LPs existiriam, quando muito os toca-discos.

Entretanto, o time das pessoas de péssimo gosto que preferem lixo prevaleceu e tais gravadoras não disponibilizaram sequer dez por cento daquilo que tinham em seus preciosos e ricos catálogos, onde havia música de verdade com instrumentistas, maestros e arranjadores de fato, que não enganavam ninguém e conferiam dignidade à prática de gravar melodias. A solução, para os colecionadores, foi se equipar para transferir registros sonoros dos antigos LPs para os CDs, primeiro através de gravadores comuns, para os quais iam além da música todos os ruídos presentes nos discos, e depois, com o auxílio de modernos computadores e programas que possibilitavam boas restaurações.

Mas trata-se de uma corrida contra o tempo. São muitos os LPs fantásticos gravados entre as décadas de 40 e 60, principalmente, que não terão a mínima chance de serem transferidos para o brilho dos CDs ou para a chamada era digital. Se o colecionador optar por deixar os ruídos no novo formato poderá recuperar um acervo maior, mas continuará tendo a impressão de que está ouvindo a música diretamente do vinil, com o que resta de agulhas extraindo os últimos registros dos sulcos. Se preferir fazer uma limpeza de ruídos completa, mais acurada e perfeccionista, vai suar bastante, porque o processo é lento, desgastante, demorado e até estressante, embora a causa seja boa, nobre e sublime. Realmente, a satisfação por recuperar algo que as gravadoras nem sonham em lançar é grande e indescritível.

Ocorre que os atuais CDs já estão saindo de cena. E, se não houver outro objeto físico que os substitua para armazenar sons, o colecionador será obrigado a juntar suas relíquias na memória não confiável dos computadores. Se acontecer uma pane incontornável, perder-se-ão anos e anos de prazer e deleite. E lá se vão, enterradas e com lembranças de um passado distante, as aventuras de um colecionador.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Terra, um planeta condenado à morte antes do tempo


Carl Sagan, astrônomo e estudioso do Universo, disse em um dos episódios de sua célebre série “Cosmos”, apresentada há alguns anos na TV brasileira, que “a humanidade via pela última vez um dia como aquele”. As cenas retratavam uma manhã belíssima, com raios de sol ainda dourados porque pertenciam à aurora e acabavam de surgir no horizonte, e lírios dançando alegremente ao sabor de uma leve e benfazeja brisa.

Ele informava seus espectadores que, assim como o planeta foi tendo uma criação, juntando partes para se tornar o astro com o tamanho que hoje tem, também num futuro distante começaria a se desintegrar, assim como acontecerá com o nosso Sol e com todos os mundos e satélites naturais em órbita ao seu redor.

De fato, a Terra não existirá para sempre. Observações científicas indicam que sistemas solares e galáxias surgem e desaparecem no Universo, com seu material final dando origem ao nascimento de outros mundos. Trata-se de um processo irreversível que nem mesmo a mais avançada tecnologia que o homem possa criar conseguiria deter.

O Sol, assim como todas as estrelas, tem uma vida útil, um prazo de validade, a exemplo de uma lâmpada. Em um determinado tempo sua força começará a diminuir e seus raios serão mais fracos. Com o passar de mais alguns milhões de anos sua influência sobre a Terra e os demais planetas será mínima, quando não mais será possível haver vida na superfície de nosso mundo, nem animais e nem árvores ou vegetações que consigam sobreviver.

No fim de tudo, toda a história da humanidade, com seus feitos e desfeitos, terá sido varrida, ficando em seu lugar um pó espacial que cruzará o firmamento atraído por outras galáxias em formação. Isso já aconteceu no passado e voltará a acontecer no futuro, indefinidamente.

Porém, se pela mãe natureza a Terra tem um tempo certo para existir e definhar, o mesmo não acontece com a ação do homem, que está acelerando o processo de destruição do que Carl Sagan um dia chamou de “um distante e pálido ponto azul” nos confins do Universo. Os desmatamentos já feitos em praticamente toda a superfície dos continentes demonstram quão perniciosa pode ser a presença humana. Grande parte do planeta já se transformou em desertos, como o Saara, na África, o Mojave, nos Estados Unidos, e outros em países e regiões espalhados por todos os continentes.

Mas a ação predatória da espécie humana não para, porque se mostra insaciável. A Amazônia, lugar que só se dá bem na natureza com árvores e vegetações nativas, já perdeu milhões de quilômetros quadrados de matas naturais para dar lugar a pastos e por conta da extração ilegal de madeira. Pasto que para criar um quilo de carne ao longo da vida de um boi demandará 15 mil litros de água. Água que, por sua vez, está acabando, com a ameaça de deixar bilhões de pessoas sem ela em determinadas regiões do globo.

As queimadas de florestas e de cana de açúcar, estas muito mais criminosas porque já existem sistemas mecanizados que colhem o produto sem emitir o gás carbônico que insufla a atmosfera, as emissões de fumaça das chaminés de milhões de fábricas, notadamente nos países ricos, e outra série imensa e interminável de atentados contra a natureza certamente abreviarão o tempo de existência da espécie humana, animal e vegetal em nosso planeta.

O homem não percebe que toda a poluição que ele produz fica presa na tênue atmosfera terrestre. Esse produto, que vai se somando em volumes inimagináveis e crescentes, não tem como escapar do planeta e vagar pelo espaço, porque as camadas mais altas o retém, mantendo-o acima de nós, funcionando como uma panela de pressão e exercendo a sua ação nefasta de ir nos destruindo pouco a pouco.

O derretimento das grandes geleiras polares e o desaparecimento irreversível e para sempre delas acabará com as nascentes dos rios e com as esperanças de um mundo saudável, com água e alimentos necessários à nossa sobrevivência.

O mal que se pratica contra a natureza pode ser verificado a metros de onde estamos. Vejam as árvores hoje, em muitos casos consideradas por gente irresponsável como inimigas mortais do homem. Repare como são cortadas por inteiro, sem nenhuma razão aparente, ou em formatos bizarros, redondas, quadradas ou convexas, numa infundada, enganosa e equivocada apologia à estética. Não sabem – ou pior, sabem – seus algozes e aqueles que pagam para que assim se cometa este crime que o planeta precisa desesperadamente ser reflorestado em cada metro quadrado disponível. Estas árvores, decepadas e diminuídas quase à asfixia, não têm mais as folhas necessárias para converter o gás carbônico no oxigênio de que tanto precisamos em grandes quantidades e nem mais copas lindas e imensas que garantem um chão mais fresco, sem o mormaço que enfrentamos em nosso dia-a-dia.

O trabalho dos que destroem é inversamente desproporcional ao dos que cuidam da natureza. Enquanto abnegados, estudantes, algumas entidades e o poder público plantam uma, duas ou três árvores, os algozes, criminosos e desinformados eliminam 40 ou 50 delas.

Se cada um pode fazer a sua parte e dar a sua contribuição para retardar o processo de nossa destruição, aqui mesmo, nos municípios, é possível desencadear campanhas para replantio de árvores em abundância, por todos os lugares, nas praças e ruas, sob a proteção de leis severas contra aqueles que atentam contra a sua segurança.

Um governante que fizesse isso ganharia rapidamente a simpatia da população, dos órgãos e entidades que trabalham protegendo a Terra, passando a receber ajuda para isso. Daí para a maioria dos habitantes dos municípios se engajarem no processo seria só um passo. Com isso, seria possível criar uma força-tarefa para mudar o perfil das cidades, transformando-as de maneira positiva e servindo de exemplo para outras comunidades para adotarem as mesmas práticas.

Não desejaria ser tão radical quanto um amigo meu que, diante deste cenário alarmante, disse ter chegado à conclusão de que hoje preferiria mais a companhia de uma árvore do que a de um ser humano insensível e insensato como aqueles que as destroem. “Para viver – disse – dependo mais da árvore do que de meu semelhante”. Um triste sinal dos tempos, sobre o qual todos devemos refletir.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Vexames diplomáticos e afins

A diplomacia é uma área onde coisas erradas, em tese, jamais poderiam acontecer. Afinal, isto é, pelo menos, o que se espera do serviço e das pessoas que nela trabalham. Afinal, trata-se de profissionais bem formados, que falam vários idiomas e que são treinados para fazer das tripas o coração e, por vezes, o papel de algodão entre cristais.

Imagine-se o trabalho intenso dos diplomatas nos dias nervosos que caracterizaram o incidente recente envolvendo a Colômbia e o Equador, e de resto a Venezuela, que, como sempre, meteu o bedelho onde não foi chamada, haja vista que o problema ocorreu a cerca de 1.800 metros já dentro do território equatoriano, bem longe do país hoje considerado propriedade particular de Hugo Chávez.

Certamente, quando há questões delicadas entre governos e nações para serem encaminhadas, os melhores profissionais da área são acionados, pois, com sua experiência há uma chance maior de os resultados serem os melhores possíveis. Embora, em alguns episódios, as atitudes possam ser consideradas por analistas especializados como ações incrivelmente desastradas, como foi o caso do imbróglio Brasil-Honduras-comunidade internacional.

R. Magalhães, estudioso brasileiro que atuava em várias áreas – em todas com brilhantismo – contou em uma de suas obras uma história bastante curiosa envolvendo as diplomacias brasileira e paraguaia. Acostumado a ouvir relatos de casos, reuniu tais fatos em um livro saboroso, cheio de histórias interessantes, divertidas e hilariantes.

Em um certo episódio, o Itamaraty recebia cônsules e embaixadores estrangeiros para uma mega-festa em Brasília. O cerimonial passou a chamar nominalmente os convidados e suas esposas para que entrassem em um grande ambiente onde haveria alguns discursos seguidos de um grande jantar de gala.

O chamamento se dava por ordem alfabética, de modo a não dar margem para interpretações no sentido de algumas personalidades pudessem ser mais importantes do que outras. De fato, se não houver cuidados com este pormenor, os enviados de países mais ricos, influentes e decisivos acabariam recebendo melhor tratamento do que outros, vindos de países pobres e quase desconhecidos.

Ocorre que o embaixador do Paraguai notou que seu nome não havia sido citado na hora certa, o que por si só, já representaria uma gafe do cerimonial. Mas não levou muito a sério o deslize, imaginando que fora um esquecimento rápido que seria contornado a seguir. Todavia, outros nomes, na sequência alfabética continuaram sendo mencionados sem que o erro fosse reparado. Preocupado com o avanço da fila e nada do nome dele constar da lista, o diplomata guarani, já um pouco cansado por ficar demasiadamente esperando, chamou um de seus assessores e, ao pé do ouvido, pediu-lhe que fosse até o locutor observar o que estava acontecendo.

Um outro profissional do Itamaraty que ajudava o cerimonial ouviu a reclamação, se antecipou e chamou o assessor paraguaio para um canto da sala. E ali, bem constrangido, confessou ao reclamante que o locutor se viu numa saia justa, temendo que à simples pronúncia do nome do embaixador a plateia provavelmente entraria em ebulição, rindo e fazendo galhofas e gracejos inevitáveis. Olhando bem fixamente para o paraguaio, disse: “É que o nome de seu diplomata no Brasil é considerado um palavrão”.

O assessor não se conformou, lembrando que, mesmo assim, em seu país tal incidente diplomático não ocorreria, e que o nome do embaixador deveria ser citado normalmente. Diante do impasse, o ajudante do Itamaraty desabafou: “Se ainda fosse uma vez só tudo bem, o diabo é essa insistência”. É que o nome do diplomata paraguaio era Juan Carlos Porras y Porras.

Em outra ocasião, quando em companhia de um casal amigo viajamos para Buenos Aires para passar uns dias na capital portenha, também vivenciamos um episódio atípico. Para começar, na noite anterior, em um imenso boulevard, espaço a céu aberto onde havia bares e restaurantes chiques no centro da cidade, esperávamos ouvir tangos, a música típica local, ao som do bandoneon. Mas em lugar dele tivemos de suportar – pasmem - uma banda brasileira tocando axé em altos brados.

No dia seguinte, em visita a uma loja de roupas – e ainda influenciado pela triste experiência da noite anterior -, arrisquei uma pergunta à linda balconista que nos atendeu. Eu queria saber se a Xuxa, então em seu auge como apresentadora, fazia sucesso com seu programa na TV Argentina, pois naquele país era chamada “la reina de los bajitos”.

A moça arregalou seus grandes olhos azuis, ficou pálida e, em meio a outros consumidores presentes, todos também olhando estranhamente para mim, falou-me baixinho ao ouvido: “Señor, tal palabra en Argentina es una obscenidad”. Insisti, lembrando que no Brasil a gente dizia Xuxa pra cá e Xuxa pra lá e que este era o apelido da nossa então famosa apresentadora de TV. E notei que os clientes da loja ficaram ainda mais atônitos com minha perseverança.

A moça, falando ainda mais baixinho, virava os olhos para um lado e para o outro, como quem quisesse disfarçar a gravidade da gafe que eu, inadvertidamente, havia cometido. E, num portunhol esforçado, ela me disse novamente ao ouvido: “Esta é a palavra chula que se utiliza aqui para dar o significado popular da genitália feminina, como aquela que vocês têm no Brasil, que eu sei qual é”. E num rasgo de conhecimento, demonstrando que sabia falar mais de um idioma, iniciou uma frase, assim: “En Brazil la palabra es bu...”, parando na primeira sílaba. A balconista, enfim, retomou seu belo sorriso e disse: “Bien, usted sabe...”

Soube depois que a própria Xuxa enfrentou graves problemas com a pronúncia de seu nome quando fez uma série de programas em uma TV Argentina. Não sei como a questão foi resolvida, mas parece que pelo menos em território portenho o som de seu nome teria sido sempre pronunciado de forma bem diferente, para não deixar dúvidas.
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Alcides Mazzini é professor, jornalista, radialista, músico, diretor da Universidade Aberta da Melhor Idade (UNA) e coordenador de comunicação do Centro Universitário Católico Auxilium – UniSALESIANO de Araçatuba.

Seleções do Reader´s Digest, quem diria, pediu concordata

A imprensa publicou nos últimos dias uma notícia que se supunha jamais teria qualquer razão de ser. É que a empresa que publica a Reader's Digest - conhecida no Brasil apenas por “Seleções” -, a revista mensal de variedades mais popular dos Estados Unidos, pediu concordata. A organização que emitiu a nota informou, também, que conseguiu efetivar um acordo com a maioria de seus credores para reestruturar grande parte de sua dívida de US$ 1,6 bilhão. Por esse acordo, o controle da Reader''s Digest Association passou para os credores das empresas banco J.P. Morgan Chase, GE Capital, Aries Management, Merrill Lynch, Eaton Vance, Regiment Capital e DK Partners. Já a empresa de private equity Ripplewood Holdings, que adquiriu a empresa em 2007, vai desistir de sua participação na companhia.

A Reader's Digest possuiu outras revistas e empreendimentos de mídia, dentre elas a revista Every Day with Rachael Ray e o site de culinária AllRecipes.com. A circulação da principal revista da empresa já vinha caindo há anos.

Fundada em 1922 por DeWitt Wallace, como uma coletânea de artigos de outras publicações, a Reader''s Digest, que chegou a ser distribuída em mais de 60 países em 19 idiomas diferentes, reduziu a garantia de circulação mensal a seus anunciantes de 8 milhões para 5,5 milhões de exemplares e diminuiu sua frequência de publicação anual de 12 para 10 edições. As informações foram prestadas pela Dow Jones.

Em seu histórico, a revista traz a informação de que sua expansão internacional começou pela
Inglaterra, em 1938. Dois anos depois foi lançada a edição em espanhol, intitulada Selecciones e, em fevereiro de 1942, a publicação finalmente chegava ao Brasil. A sua receptividade foi imediata excedendo a todas as expectativas, tanto que em menos de seis meses, a circulação mensal atingiu 150 mil exemplares. Seleções tornava-se, assim, uma das publicações mais populares em nosso país, alcançando, no início dos anos 70, a venda de aproximadamente 500 mil exemplares a cada mês. De certa forma ela rivalizava em tiragem com a revista O Cruzeiro, que no auge de seu sucesso contabilizava cerca de 700 mil exemplares mensais.

A revista, no Brasil, mantinha a predominância pelo nome ´Seleções´. Nos anos 40 e 50 sua penetração foi fortíssima, chegando a ser uma das publicações preferidas dos brasileiros. Uma das razões pelas quais ela granjeou simpatia era a forma como publicava seus artigos. Os jornalistas de seu “cast” escolhiam assuntos importantes, cujas abordagens costumavam ser profundas já no trabalho de seus autores originais, e os condensavam, ou seja, extraíam apenas as partes vitais que garantiriam a informação, transformando a leitura mais leve e prazerosa, sem contudo interferir no conteúdo do texto.

O mesmo ocorria com relação aos livros. A Reader´s Digest escolhia as obras mais destacadas e colocava em campo seu time de redatores para também condensá-los, ou seja, diminuí-los sensivelmente em seus tamanhos originais. A preocupação era a mesma com relação aos artigos: reduzir bastante o volume de palavras, sem prejudicar, no entanto, o entendimento geral. Por causa disso, a revista lançava periodicamente no Brasil coletâneas com até quatro livros condensados, sempre em edições bem cuidadas, com lombadas elegantes, muitas ilustrações e um texto irreprensivelmente leve e convidativo.

A revista tinha, também, o hábito de lançar coletâneas musicais, sempre com o melhor da música. Tradicionalmente, os álbuns reuniam orquestras ou corais exuberantes, excelentes arranjadores e repertórios irretocáveis que iam da canção popular às peças clássicas. Vinham em caixas com 9 LPs, em média, ou na forma de álbuns individuais, mas todos ótimos. Habitualmente traziam doze músicas, com seis delas de cada lado. Quem comprava qualquer um destes lançamentos tinha a certeza de que iria ouvir boa música, magníficas regências, excelentes interpretações e uma gravação impecável, fruto da já boa tecnologia da época que experimentava as primeiras emoções do som puro e característico dos chamados long- playngs.

Muitos ainda guardam as caixas que adquiriram naquelas décadas, pois estas, com seus discos, se traduziam em verdadeiros tesouros para quem apreciava música e se considerava um colecionador dela. Neste aspecto, a revista procurava identificar as melhores orquestras e os corais mais portentosos existentes nos Estados Unidos e selecionava repertórios com músicas de sucesso na época, conseguindo, com esta estratégia, agradar em cheio ao público. Estes discos foram lançados em sua maioria nos anos 50 e 60 e tinham por característica a total e excepcional qualidade de seu conteúdo e de som.

Assim, a Reader´s Digest brindava o seu público com registros impecáveis das orquestras de Malcolm Lockyer, Henri René, Daniel Michaels, Hill Bowen, Robert Bentley e Martin Slavin e, por outro lado, de corais famosos como os dos maestros John Norman, Robert MacDonald, Norman Luboff e tantos outros, cujas interpretações nos levavam a experimentar um êxtase de emoções e encantamento com seus cânticos maviosos e celestiais.

Porém, a decadência enfrentada pela revista nos Estados Unidos se espalhou também para o mundo, com a diminuição das tiragens e até mesmo a supressão temporária de sua publicação em alguns países. Há alguns anos a revista tentou dar novo fôlego aos seus empreendimentos no Brasil, revigorando suas edições impressas e lançando coleções de CDs, algumas até resgatando registros dos anos 50 e 60. Porém, devido ao empobrecimento cultural das novas gerações, cuja capacidade de apreciação de música foi se deteriorando rapidamente, levando-a a um caminho sem volta, a revista se viu forçada a lançar coletâneas de músicas de gosto bastante duvidoso.

O desfecho ocasionado pela concordata nos EUA representa um fim melancólico para uma revista que fez parte da vida de milhões de pessoas no Brasil e em todo o mundo.
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Alcides Mazzini é professor, jornalista, radialista e músico. É Diretor da Universidade Aberta da
Melhor Idade (UNA)

Os fumantes que me desculpem. Mas, sim, eles estão errados


Não tenho nada contra os fumantes. Pelo contrário, tenho, sim, muitos amigos que, infelizmente, fumam. Também não me oponho ao desejo que eles têm de envolver-se em uma constante nuvem de fumaça, como se estivessem no meio de uma plantação de cana-de-açúcar ardendo em chamas, como vemos constantemente à beira das estradas, respirando as delícias e maravilhas daquele ar altamente contaminado.

Mas, tenho, sim, o direito de reclamar do fato de as pessoas que fumam não respeitarem os seus próximos, como se consumir fumaça fosse algo bom para os dois segmentos: o dos que tragam e o dos que apenas inspiram um ar já maleficamente poluído.

Não quero aqui nem comentar o incômodo que nós, não fumantes, sentimos quando somos obrigados a fumar indiretamente. E dizem que o mal maior fica para nós, que não temos nada a ver com este vício. Também não quero me referir à descrição feita por alguém, no sentido de que uma pessoa que não fuma e que vai beijar outra que o faz, estaria, na verdade, dando um longo e sexy banho-de-língua em um atraente cinzeiro. Pois deve ser exatamente esta a impressão de alguém livre do vício ao beijar um fumante. Assim, apenas peço permissão para elencar alguns dados que podem transformar a vida de um fumante em um inferno interminável, quente e ardente.

Gostaria, então, de me reportar a uma pesquisa feita pela empresa Catho Online, publicada em junho de 2009, junto a 16.207 pessoas, segundo a qual 83,2% dos presidentes e diretores de empresas apresentavam fortes restrições na hora de contratar gente que engole fumaça. A sondagem mostrou que ao fazer a opção por um empregado que não fuma, a empresa estaria evitando a ocorrência de absenteísmo, seja aquele motivado por longas ausências para tratamento do próprio vício, ou mesmo devido às frequentes interrupções que ocorrem quando o funcionário sai para dar as suas tragadas.

A pesquisa mostrou, ainda, que a cada dia os fumantes vão perdendo lugar entre os que podem ser aceitos normalmente nas organizações empresariais. Assim, em 2003, um percentual de 44% dos diretores e empresários já prenunciava as graves objeções aos esfumaçados, número que saltou para 83,2% há um ano e que certamente é bem maior nos dias atuais. Afinal, parece que o cerco está mesmo se fechando para os enfumaçados.

A enquête apontou, também, que quanto maior for a empresa contratante, mais duras e rígidas serão as regras na hora de contatar pessoas. Provavelmente haja muitas delas, principalmente as das áreas de saúde ou de instituições ligadas a igrejas, que não admitem nenhum fumante em suas fileiras. Porém, se a pesquisa da Catho Online apontou algo semelhante não saberemos, pois nenhum dado a respeito foi publicado.

Porém, o significado do provérbio “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” esteja mesmo valendo para os responsáveis pela contratação de pessoas, porque eles próprios, embora não contratem fumantes, estão, por sua vez, entre os amantes inveterados do cigarro, a ponto de 18,5% deles tresloucadamente engolirem fumaça quando têm a chance de fazê-lo.

Tempos atrás li em uma revista um texto interessante. Segundo a matéria, um sujeito para o qual restava praticamente apenas 70% de seu corpo devido às constantes mutilações que sofreu em decorrências de doenças causadas pelo fumo, havia entrado com um pedido de indenização milionária por ele ter chegado àquele ponto por causa do cigarro. A empresa, é claro, ganhou a causa – decisão com a qual também eu concordei -, porque a Justiça entendeu que o mutilado não foi por ela obrigado a fumar. O que ocorreu foi apenas do fato de a vítima, naquele caso, ter aplicado a lógica imortalizada por Jânio Quadros: “fi-lo por que qui-lo.”

Há alguns anos, quando ainda era permitida abertamente a propaganda com o objetivo de engrossar as fileiras, de modo a conquistar novos membros para o clube da fumaça, li também um anúncio em que uma empresa estimuladora do tabagismo mostrava uma bonita arte publicitária para uma de suas marcas de cigarro, com a seguinte inscrição logo abaixo do maço: “Garantimos a qualidade de nossos produtos.” Para bom entendedor, meia tragada basta.

Alcides Mazzini é professor, jornalista, radialista, músico e diretor da Universidade Aberta da Melhor Idade (UNA).