quinta-feira, 1 de abril de 2010

Vexames diplomáticos e afins

A diplomacia é uma área onde coisas erradas, em tese, jamais poderiam acontecer. Afinal, isto é, pelo menos, o que se espera do serviço e das pessoas que nela trabalham. Afinal, trata-se de profissionais bem formados, que falam vários idiomas e que são treinados para fazer das tripas o coração e, por vezes, o papel de algodão entre cristais.

Imagine-se o trabalho intenso dos diplomatas nos dias nervosos que caracterizaram o incidente recente envolvendo a Colômbia e o Equador, e de resto a Venezuela, que, como sempre, meteu o bedelho onde não foi chamada, haja vista que o problema ocorreu a cerca de 1.800 metros já dentro do território equatoriano, bem longe do país hoje considerado propriedade particular de Hugo Chávez.

Certamente, quando há questões delicadas entre governos e nações para serem encaminhadas, os melhores profissionais da área são acionados, pois, com sua experiência há uma chance maior de os resultados serem os melhores possíveis. Embora, em alguns episódios, as atitudes possam ser consideradas por analistas especializados como ações incrivelmente desastradas, como foi o caso do imbróglio Brasil-Honduras-comunidade internacional.

R. Magalhães, estudioso brasileiro que atuava em várias áreas – em todas com brilhantismo – contou em uma de suas obras uma história bastante curiosa envolvendo as diplomacias brasileira e paraguaia. Acostumado a ouvir relatos de casos, reuniu tais fatos em um livro saboroso, cheio de histórias interessantes, divertidas e hilariantes.

Em um certo episódio, o Itamaraty recebia cônsules e embaixadores estrangeiros para uma mega-festa em Brasília. O cerimonial passou a chamar nominalmente os convidados e suas esposas para que entrassem em um grande ambiente onde haveria alguns discursos seguidos de um grande jantar de gala.

O chamamento se dava por ordem alfabética, de modo a não dar margem para interpretações no sentido de algumas personalidades pudessem ser mais importantes do que outras. De fato, se não houver cuidados com este pormenor, os enviados de países mais ricos, influentes e decisivos acabariam recebendo melhor tratamento do que outros, vindos de países pobres e quase desconhecidos.

Ocorre que o embaixador do Paraguai notou que seu nome não havia sido citado na hora certa, o que por si só, já representaria uma gafe do cerimonial. Mas não levou muito a sério o deslize, imaginando que fora um esquecimento rápido que seria contornado a seguir. Todavia, outros nomes, na sequência alfabética continuaram sendo mencionados sem que o erro fosse reparado. Preocupado com o avanço da fila e nada do nome dele constar da lista, o diplomata guarani, já um pouco cansado por ficar demasiadamente esperando, chamou um de seus assessores e, ao pé do ouvido, pediu-lhe que fosse até o locutor observar o que estava acontecendo.

Um outro profissional do Itamaraty que ajudava o cerimonial ouviu a reclamação, se antecipou e chamou o assessor paraguaio para um canto da sala. E ali, bem constrangido, confessou ao reclamante que o locutor se viu numa saia justa, temendo que à simples pronúncia do nome do embaixador a plateia provavelmente entraria em ebulição, rindo e fazendo galhofas e gracejos inevitáveis. Olhando bem fixamente para o paraguaio, disse: “É que o nome de seu diplomata no Brasil é considerado um palavrão”.

O assessor não se conformou, lembrando que, mesmo assim, em seu país tal incidente diplomático não ocorreria, e que o nome do embaixador deveria ser citado normalmente. Diante do impasse, o ajudante do Itamaraty desabafou: “Se ainda fosse uma vez só tudo bem, o diabo é essa insistência”. É que o nome do diplomata paraguaio era Juan Carlos Porras y Porras.

Em outra ocasião, quando em companhia de um casal amigo viajamos para Buenos Aires para passar uns dias na capital portenha, também vivenciamos um episódio atípico. Para começar, na noite anterior, em um imenso boulevard, espaço a céu aberto onde havia bares e restaurantes chiques no centro da cidade, esperávamos ouvir tangos, a música típica local, ao som do bandoneon. Mas em lugar dele tivemos de suportar – pasmem - uma banda brasileira tocando axé em altos brados.

No dia seguinte, em visita a uma loja de roupas – e ainda influenciado pela triste experiência da noite anterior -, arrisquei uma pergunta à linda balconista que nos atendeu. Eu queria saber se a Xuxa, então em seu auge como apresentadora, fazia sucesso com seu programa na TV Argentina, pois naquele país era chamada “la reina de los bajitos”.

A moça arregalou seus grandes olhos azuis, ficou pálida e, em meio a outros consumidores presentes, todos também olhando estranhamente para mim, falou-me baixinho ao ouvido: “Señor, tal palabra en Argentina es una obscenidad”. Insisti, lembrando que no Brasil a gente dizia Xuxa pra cá e Xuxa pra lá e que este era o apelido da nossa então famosa apresentadora de TV. E notei que os clientes da loja ficaram ainda mais atônitos com minha perseverança.

A moça, falando ainda mais baixinho, virava os olhos para um lado e para o outro, como quem quisesse disfarçar a gravidade da gafe que eu, inadvertidamente, havia cometido. E, num portunhol esforçado, ela me disse novamente ao ouvido: “Esta é a palavra chula que se utiliza aqui para dar o significado popular da genitália feminina, como aquela que vocês têm no Brasil, que eu sei qual é”. E num rasgo de conhecimento, demonstrando que sabia falar mais de um idioma, iniciou uma frase, assim: “En Brazil la palabra es bu...”, parando na primeira sílaba. A balconista, enfim, retomou seu belo sorriso e disse: “Bien, usted sabe...”

Soube depois que a própria Xuxa enfrentou graves problemas com a pronúncia de seu nome quando fez uma série de programas em uma TV Argentina. Não sei como a questão foi resolvida, mas parece que pelo menos em território portenho o som de seu nome teria sido sempre pronunciado de forma bem diferente, para não deixar dúvidas.
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Alcides Mazzini é professor, jornalista, radialista, músico, diretor da Universidade Aberta da Melhor Idade (UNA) e coordenador de comunicação do Centro Universitário Católico Auxilium – UniSALESIANO de Araçatuba.

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