sábado, 17 de abril de 2010

Os acentos gráficos podem se tornar obsoletos?


Já estão em vigor as regras do novo acordo ortográfico assinado entre países que falam a língua portuguesa. Haverá um prazo de três anos para adaptação e até que se finde este tempo as duas formas de escrever uma mesma palavra serão aceitas, como no caso de idéia/ideia. Entretanto, jornais, revistas, agências de publicidade, universidades e escolas de um modo geral já adotaram as novas regras.

É curioso constatar que tais mudanças, embora num primeiro momento causem espanto e até confusão, depois acabam sendo assimiladas pela população e os novos mistérios vão caindo por terra. A Lei n.º 5765, de 18 de dezembro de 1971, por exemplo, suprimiu o acento circunflexo na distinção dos homógrafos, responsável por 70% das divergências ortográficas com Portugal, e fez o mesmo com relação aos acentos que marcavam a sílaba subtônica nos vocábulos derivados com o sufixo mente ou iniciados por z. Entretanto, há uma certa tendência para que pessoas com idades mais avançadas apresentem resistências para concordar com as inovações. Assim, continuam escrevendo govêrno, êle, Zèzinho, fàcilmente, cômodamente, etc., ou até insistem em manter o trema em palavras como saüdade, por exemplo. Porém, de um modo geral, ninguém hoje se lembra de que tais palavras eram assim escritas.

Eu, que vivenciei as mudanças feitas em 1971, percebi que na época a decisão causou um certo desconforto e até mesmo gerou críticas por parte de professores, educadores e filólogos. Porém, como apropriadamente diz o estudioso do idioma e imortal da ABL, Evanildo Bechara, mudanças ortográficas sempre são feitas para as próximas gerações, não para as atuais. De fato, um adolescente de nosso tempo nem sequer saberia que as palavras toda e nele, que também podiam se apresentar acentuadas (tôda, nêle) assim vinham escritas para se diferenciarem das homógrafas que, respectivamente, significavam um pássaro originário da Jamaica e um tipo de arroz de casca da Índia.

Tal fato igualmente vai acontecer com relação às atuais mudanças. Nós estranharemos um pouco as alterações, mas as próximas gerações nem perceberão a diferença.

Ocorre, também, que algumas coisas, ainda que pudessem representar uma simbologia e talvez até manter e guardar um caráter nostálgico para nós, tinham razão para desaparecer. Ninguém deixará de falar tranquilo (pronunciando bem a letra “u”) só porque não há mais trema nesta palavra. O mesmo exemplo serve para todos os outros termos nos quais se indicava a necessária presença fonética desta letra.

Diante da evolução destes conceitos, ou seja, de que tais diferenciadores podem – e devem – gradativamente – ser extintos, prevejo que em breve os governos dos países lusófonos vão acabar por tirar, também, o acento nos ditongos abertos de palavras oxítonas, como nos casos de herói, constrói, anéis e papéis, passando estas a serem grafadas como heroi, constroi, aneis e papeis. Ou dos ditongos abertos como em chapéu (chapeu), céu (ceu) e véu (veu). As crianças do futuro vão crescer assimilando o fato de que suas pronúncias têm o “e” sempre aberto, assim como hoje ocorre com o termo “loja”, em que sabemos que “o” tem som de “ó” e não não de “ô”.

O fenômeno de se pronunciar vogais abertas ou fechadas de forma natural está presente em outros idiomas, como no caso do inglês. A palavra “love”, por exemplo, tem na letra “o” um som aberto e quase nasalizado, podendo ser foneticamente grafada como um misto de “lóve” e “lõve”. Ou seja, todos as pessoas de países de língua inglesa nascem, crescem e amadurecem pronunciando este termo sempre de idêntica forma. Os povos de língua portuguesa também aprenderão a fazer o mesmo e, na quase totalidade dos casos, independentemente da presença ou não de acentos diferenciais.

Se imaginarmos quantas mudanças podem ser adotadas, veremos que há outras possibilidades de adaptação. Assim, haveria problemas se fosse eliminado, também, o acento de palavras paroxítonas (como lápis, bônus, táxi, etc.)? Observe que, mesmo sem ele, ninguém vai pronunciá-las como sendo lapís, bonús e taxí.

Avancemos mais e analisemos, comparativamente, as proparoxítonas, em que a regra diz que todas, sem exceção, são acentuadas. Seria impensável abolir alguns acentos neste tipo de palavra? Não, porque algumas delas, como trágica, bárbaro, lógica e milhares de outras podem perder o acento e ainda assim não sofreriam prejuízo nas suas pronúncias. Ou seja, tais mudanças não implicariam alterações na fala, mas somente na forma gráfica. Outras, que de alguma forma se transformam em verbos (como pagina e fabrica, terceira pessoa do presente do indicativo de paginar e fabricar, por exemplo) permaneceriam com os acentos para que continuassem com as diferenciações. Na frase “ele fabrica tijolos”, por exemplo, ficaria claro que a pessoa estaria utilizando o termo “fabrica” como verbo e não como um substantivo. Ou isso seria complicado demais para entender?

Se isto viesse a acontecer haveria um empobrecimento da língua? Diante da opinião do professor Bechara de que mudanças feitas agora sempre servem para o futuro, é possível que tudo possa ocorrer. O português estaria, então, caminhando para se assemelhar aos idiomas que não têm acentos gráficos e que os povos falam de forma natural, independentemente da presença ou não destes sinais diferenciais?

3 comentários:

  1. Parabéns pelo blog do senhor. Voltarei sempre aqui para visitá-lo.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  2. Publique aquele seu texto do mosquito da dengue. É demais!

    ResponderExcluir
  3. uma pergunta no concurso do rs p oficial de justiça perguntava se tirasse o acento das palavras crítico,cópia,contrário e porém qual delas se transfomariam em formas verbais eu respondi que somente critico copia e contrario seriam formas verbais e que porém mesmo sem acento não seria ... a questão foi considerada errada podem me dizer si esta errada mesmo fiquei en dúvida

    ResponderExcluir