quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Eu, Pernilongo; você, meu sangue...


É amigos, sou esta celebridade que acumula cada vez mais fama em todo o Brasil, quiçá no mundo, e que inferniza a sua vida e a de todos os seus semelhantes. Sei que você é um ser humano honesto, esforçado e dá literalmente o seu sangue para conseguir o seu sustento e o de seus entes queridos. Eu, entretanto, confesso que sou um ser altamente dependente, um chupim na sua forma mais clássica, um verdadeiro sanguessuga que precisa dos outros para sobreviver. Assim, concordo que não tenho nenhum mérito ou valor, porque não produzo nada de interessante; muito pelo contrário, provoco um flagelo entre vocês, pessoas de ambos os sexos e idades.
Talvez você nem conheça algumas particularidades a meu respeito. Por exemplo, que aquela que te pica, ou seja, eu, sou do gênero feminino. É isso mesmo: sou fêmea e, a exemplo das leoas que saem para a busca do sustento da família, cabe a mim a tarefa diária de sugar o seu sangue, me manter viva e criar a minha prole, garantindo assim a perpetuação da minha espécie. E não pense que isso é fácil de fazer. Tenho, é claro, a facilidade e felicidade de não precisar escolher as minhas vítimas, porque sangue é sangue em qualquer situação. Todavia, obtê-lo não é um trabalho “moleza”, como se poderia considerar à primeira vista. Preciso, antes, adotar uma série de procedimentos de forma a ter sucesso em minhas empreitadas.
Assim, o primeiro passo é escolher um lugar bom de seu corpo, preferencialmente onde você não me veja, aproveitar o fato de você estar distraído, aplicar uma espécie de “anestesia” – para você não sentir o baque e não querer ficar me incomodando - até porque eu gosto de sugar os outros em paz – e introduzir um recurso físico que eu tenho e que se parece muito com o ferrão das abelhas. Você pensa que é simples ferrar você profundamente, ou seja, ir fundo com meu comprido bico até alcançar as camadas mais ricas de seu pré-sal, quero dizer, pré-sangue?
Outra coisa: para mim também não é nada fácil ter de ficar dando aqueles goles contínuos e intensos, de forma a ir subtraindo o “precioso líquido vermelho” de seu corpo e ir depositando-o em minhas entranhas. Na verdade, este esforço é bastante extenuante. E fique sabendo que depois de finalizado o meu trabalho eu só voo lentamente e “pesadona” porque consumi uma energia imensa picando e ferrando você, e não porque meu estômago está cheio do seu delicioso sangue.
Confesso também que o meu companheiro, o meu “homem”, ou macho – como vocês chamam – é um ser inútil e praticamente um desocupado. Não é ele que vai à luta para obter o sangue nosso de cada dia. Na verdade, é um sujeito simplório e preguiçoso que se contenta em consumir gravetos, folhagens e outras coisas menos nobres que nem de perto têm o sabor sublime, nutricional e altamente reconfortante do sangue humano. Quer dizer: meu marido é tão chulo que nem sabe escolher uma boa bebida.
Outra coisa que eu percebo é que os humanos mais perdem tempo em achar um nome para a minha espécie do que efetivamente em me combater e me exterminar. Assim, vivem arrumando umas palavras em latim, uma língua já morta e que ninguém mais entende, criando classificações estranhas. Vejam quantas coisas vocês escrevem só para me identificar: que sou do reino Animália, da filo Arthropoda, da classe Insecta, da ordem Díptera, da subordem Nematocera, da família Culicidae, da subfamília Culicinae, do gênero Aedes, do sub-gênero Stegomyia e da espécie Aedes Aegypti. Mas dizem, também, que sou conhecido como, aí sim, pernilongo – meu verdadeiro nome, aliás, obrigado! - muriçocas ou carapanãs. Se isto não bastasse, deram até um título para os estragos que eu consigo fazer, esse palavrão chamado dengue. Pode?
E mais, meu amigo: de boba eu não tenho nada. Pensa que eu não fico à espreita para saber onde você deixou descuidadamente aquele restinho de água, em um vaso, na planta, nas calhas da sua casa, nos pneus, em qualquer lugar onde eu possa exercer a maravilhosa arte da procriação? Saiba que me basta só um pouquinho dela – bem limpinha e arejada, de preferência, porque sou altamente seletiva – para eu depositar meus lindos ovinhos e daí a alguns dias dar vida aos meus pequeninos. Afinal, eles são seres vivos que também querem ter um lugar ao sol.
Vocês até tentam me intimidar jogando para cima de mim uma fumaça horrível, mas, cá pra nós, já percebi que ela tem mais cheiro do que eficácia. Quando meus algozes vêm, prendo a respiração e vou para outro lugar. No fundo no fundo, eu até considero você um grande aliado meu, porque não vive querendo acabar com o acúmulo de água aqui ou ali, dificultando a minha vida e me impedindo de dar à luz. Infelizmente, não posso agradecer você de outra forma por esta grande deferência, a não ser estar sempre direcionando o meu longo bico para as partes mais frágeis do seu corpo e fazendo-o perder alguns gramas do sagrado líquido que me mantém viva e atuante.

Um comentário:

  1. Onde já se viu?! Nós, seres humanos, tão evoluídos, entregarmos o planeta nas asas dos mosquitos. Eu já peguei. Todos na minha casa pegaram. Os meus vizinhos também sentiram a dor que a picadura do mosquito causa. Se você ainda não pegou, vai pegar. Não estou lhe rogando praga. A praga está no ar, armada de corpo e asas pra poder nos picar.
    Onde já se viu?! Inseto safado! Safa-se de veneno e repelente. O bicho é pequeno, mas é mais esperto do que muita gente. É um monstro que voa raso, adora água parada. Tem gente que colabora com ele. Isso não é um atraso?
    É mestre no que faz. Competente, não erra o alvo. Com a sua ‘picadura’ não deixa ninguém a salvo.
    Onde já se viu!? Nos derruba, nos faz adoecer. Rouba-nos o paladar, as forças e a vontade de viver.
    Virou deus. Mosquito ordinário! Cresceu às vistas do homem. Nos colocou de joelhos e a ele dizemos amém.

    Aedes Aegypti que estais no ar. Santificada seja vossa picadura que vem ao nosso corpo e por longo tempo dura. Faça-nos vosso reino, SPA, hotel, privada .
    Oh, querida majestade! Deslize em nós, de corpo e asas e faça-nos conforme vossa vontade. Água limpa de cada dia vos damos hoje, amanhã e todos os dias. Penduramos as nossas chuteiras, luvas, armas e a consciência assim como, despenduramos nossas medalhas e vos entregamos o troféu. Vencestes, pois. Não nos deixeis cair em tentação de vos dar um tapa se vierdes repousar em nossa carne fraca. Assim seja , nesta peleja. Amém

    Ele dita o terço no rosário que a gente tem. A cada oração ele prolifera.
    Onde já se viu ? Mosquito maior que o homem. Somente no planeta Terra

    ResponderExcluir