sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Copa da Retranca



Será que podemos considerar o Campeonato Mundial de 2010 da África do Sul como sendo a Copa da Retranca? Até o momento em que fechávamos este comentário e salvo as vitórias da Alemanha sobre a Austrália, do Uruguai sobre a África do Sul e de Portugal sobre a Coreia do Norte, com um bom repertório de gols e cujas seleções derrotadas não têm um histórico forte de participações na grande festa esportiva, o que se está vendo nos jogos é um festival de emboladas, de um lado e de outro. E tais emboladas só estão acontecendo em um dos lados do campo graças a um ou outro contra-ataque esporádico de alguns jogadores mais ousados e insatisfeitos com a presente situação.

Os resultados têm sido parcos, pífios e mixurucas, nem de longe demonstrando a grandeza e a tradição de seleções como a do Brasil, Argentina, Espanha, Itália e Inglaterra. É claro que as demais seleções também merecem respeito, até porque se chegaram ao seleto clube dos participantes de uma Copa do Mundo é porque tiveram mérito e competência nas fases de classificação.

Porém, o que se vê claramente é uma fortíssima e descarada retranca funcionando. Os times juntam todos os seus atletas em seu campo e, mais propriamente, em sua grande área e proximidades e montam uma barreira natural, uma muralha de gigantescas proporções, onde não há espaço sequer para uma bola de futebol passar. E as cenas, repetidas até a exaustão, são as das bolas chutadas e o natural e indefectível rebate, seguido de outra tentativa de finalização e de outra defesa contrária.

Até existem algumas das seleções, como a do Brasil, por exemplo, que mostram ter um caráter grandemente ofensivo - sem considerar o jogo com Portugal -, com jogadores hábeis e de grande talento que podem fazer a diferença diante dos guarda-roupas que as equipes estão colocando estrategicamente em suas defesas. Mas estes times sucumbem facilmente à mediocridade dos demais que parecem ter ido à Copa somente para promover um “campeonato de defesas”. Quando a tônica é esta, ou seja, a da defesa a qualquer custo, o jogo fica feio, desmotivador e chato, surgindo como um estímulo para que exerçamos o nosso direito de desligar a televisão.

Afinal, a concentração de todos os jogadores de um mesmo time na grande área e cercanias desta é tão constante que até os goleiros estão tendo dificuldade de ver as bolas chutadas e imaginar para que lado devem voar caso as enxerguem ocasionalmente vindo em sua direção.
A continuar neste tom é até fácil imaginar o que vai acontecer com os próximos jogos, quando começa a haver a peneirada de sempre. Os fracos vão saindo, os fortes permanecem mas com eles ficam também as defesas retranqueiras pesadas, as mesmas que tornam as partidas insossas, sem nenhum molho, tempero ou criatividade.

As coisas parecem estar mudando. Antigamente futebol era um esporte que tinha o gol como objetivo. Agora, ao que tudo indica tornou-se uma modalidade de esporte em que o fator principal não é necessariamente fazer gols, mas não tomá-los das equipes adversárias. Confesso que não sabia que o futebol modernamente se joga assim, sem gols. Por isso, não tive e nem vou ter tempo de reavaliar os meus conceitos antes que a atual Copa Retranqueira Mundial de Futebol termine.

sábado, 5 de junho de 2010

Os herois da música de ontem em Araçatuba

É muito comum o fato de as comunidades, principalmente as interioranas, colocarem os esportistas entre aqueles que são autores de feitos importantes, que projetaram a cidade, que levaram o nome de seu município a partes distantes, etc. Muito provavelmente, a notícia de que algum atleta logrou conquistar determinado título ou obteve uma boa colocação em um torneio ou campeonato esportivo é muitos mais receptiva e tem um apelo muito mais forte. Afinal, esporte é um setor do qual a imprensa jamais se descuida, pois ele tem a simpatia do público, atrai leitores e dá visibilidade.
Conheço pessoas que abrem os jornais locais ou os de grande porte, como a Folha de S. Paulo e o Estadão e, com o perdão do trocadilho, entram em batalha campal para disputar acirradamente os cadernos especializados em esporte. Normalmente estes cidadãos passam ao largo das notícias sobre educação, saúde, política e economia, que são as que de fato mais têm importância e que interferem diretamente em suas vidas.
Tudo bem que os grandes times do Estado como Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos, quando perdem um jogo, podem provocar uma dor que se alastra por dias e semanas entre seus torcedores, até que uma vitória, mesmo que pálida, restabeleça a crença em outros resultados melhores e proporcionem uma recuperação a tais sofredores. Aliás, o esporte tem tanta força e tanta exposição na mídia que a situação atual e o futuro do país parecem depender decisivamente do balanço de perdas e ganhos entre as equipes, sem falar no aprofundamento do assunto quando o tema é seleção brasileira. É só lembrar da final entre Brasil e Uruguai, no Maracanã, na década de 50, quando um gol feito pelo atacante Giggia no último minuto do jogo derrotou o Brasil e levou o país a um a trauma sem precedentes em sua história e a uma comoção que durou meses.
Nos dias seguintes àquela fatalidade, as pessoas não encontravam ânimo para trabalhar, estudar, ir ao teatro, ao cinema ou a um show de música. Nada era forte o suficiente para tirar da cabeça do povo a sensação triste da derrota. O país parecia que havia deixado de existir. Esse tipo de sensação ocorre também quando a nossa seleção é desclassificada prematuramente nas copas.
É verdade, também, que esse tipo de destaque de herois às vezes contempla alguém que salva um semelhante prestes a morrer afogado, um empresário que investe o que tem e não tem em times de futebol, vôlei ou basquebol – modalidades entre as mais cotadas e de visibilidade e retorno mais garantidos - , um garoto prodígio que se torna notícia da noite para o dia ou por meio de outras possibilidades.
O que não se costuma ver são herois que pertencem à área artística. E o pouco ou nada do que se vê representam personagens que fizeram algo pela música de sua cidade. Pois acreditem: Araçatuba já teve seus herois na música, como os tem agora também.
Não levando em conta outros casos mais isolados que aconteceram ao longo das primeiras décadas de existência do município, um fato se tornou marcante no início dos anos 60 quando a cidade foi representada não por um, mas por vários herois ao mesmo tempo, todos reunidos em uma sólida e incrível equipe, senhores de seus talentos e mestres na arte de cantar ou tocar um instrumento.
Estou me referindo aos componentes dos Astros de Amanhã, um grupo criado pelo saudoso Edson “Bolinha” Curi, radialista que teve uma forte e impactante atuação no meio radiofônico de Araçatuba na época. Depois de iniciar um serviço de alto-falantes a partir do bairro Santana, onde fazia propaganda de empresas e incluía alguns números musicais, migrou para a solidez das rádios AM onde pôde estabelecer um programa fixo.
Bolinha passou pelo cast das Rádios Cultura e Difusora AM, para onde indefectivelmente levava o seu grupo de artistas cantantes ou tocantes. Passou mais tempo na Cultura AM, onde aproveitava o generoso espaço do Palácio Cine-Rádio, que juntava num mesmo prédio os estúdios da emissora e a sala de projeção do Cine Bandeirantes, onde promovia memoráveis encontros de música com os Astros de Amanhã, em que cada um desfilava com sua perfeição, dedicação e qualidade.
Os heróis tinham nomes: Alaíde Donatoni, Antonio Bombarda, Ayres Bucchi, Doracy Nascimento, Joaquim Coelho, Lúcio Collícchio, Marly Martinelli e Wagner Gomes. Em um momento histórico de abençoada iniciativa foram a São Paulo gravar nos estúdios da RGE/Fermata um long playing, com direito a acompanhamento de orquestra e arranjos do prestigiado maestro Enrico Simonetti, um dos mais famosos da época.
Naquele episódio seguiram para São Paulo apenas os cantores que Bolinha considerava já estarem no “último degrau”, ou seja, o lugar para onde iam os melhores, os perfeitos e já lapidados artistas. E ele acertou em todas as fichas em que apostou, pois o álbum realmente ficou excelente e com interpretações memoráveis e inesquecíveis.
As pessoas que tiveram o privilégio de comprar o LP na época o guardam com carinho e o consideram como se fosse uma relíquia, um verdadeiro tesouro. Pelo menos é o que acontece comigo. Ali está presente, de forma plena, cabal, exuberante e imorredoura a arte e o talento daqueles então jovens que colocavam o nome da cidade no mapa do Estado e do País.
É importante que sempre, mesmo passados tantos anos e décadas, nós reverenciemos estes feitos e aqueles que o legitimaram, pois significam verdadeiras conquistas históricas da cidade. Fico triste quando percebo que as pessoas só se preocupam com o presente e o futuro porque, segundo elas, a rigor é só o que realmente importa. No entanto, é preciso olhar para trás, observar a linha do tempo e observar tantos e tão significativos exemplos deixados por nossos antecessores, gestos que nos emocionam e nos deixam orgulhosos.
No que depender de mim, os Astros de Amanhã existirão para sempre. Deus e a Rádio Cultura FM me proporcionam a felicidade e o privilégio de frequentemente escalar estes grandes artistas para serem ouvidos tantas outras vezes e sempre, pois sua arte não acaba. É algo que ficará para a eternidade.________________________________

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A arte de (bem) escrever

Escrever é uma arte, assim como o é, também, cantar, declamar, pintar, atuar no teatro e no cinema ou praticar tantas outras formas de manifestações culturais. Porém, chama a atenção um lado talvez pouco observado dos jornalistas e articulistas brasileiros, muitos deles capazes de elaborar excelentes textos repletos de elegância e criatividade. Foi o que notei lendo alguns artigos na imprensa e observando a performance de alguns de seus brilhantes autores, muitos deles fazendo uso de frases já conhecidas para dar um melhor significado às suas próprias matérias.

Marcelo Câmara, por exemplo, ao discorrer em um dos cadernos do Estadão sobre a cachaça brasileira, por ocasião da comemoração da 100ª edição do caderno de culinária do jornal que na semana seguinte chegaria a este número, assim intitulou o artigo: “A centésima é por nossa conta.” Por sua vez, Dias Lopes, outro excelente colaborador do jornal, ao escrever sobre o rei Dom João II, que governou Portugal entre 1481 e 1495, e seus sempre monumentais banquetes oferecidos a seu séquito e demais cordões de puxa-sacos, referiu-se a ele, no título da matéria, como “Dom João II, um rei festeiro”.

Lucas Frasão, que costuma escrever artigos para publicações na área de turismo, ao fazer sua matéria sobre as maravilhosas corredeiras que se estendem por seis mil metros no rio Jacaré-Pepira, em Brotas, a 246 km de São Paulo, assim se manifestou: “Corredeira pra cachorro”. É que o local abriga um antigo costume, por meio do qual os praticantes que vão desafiar as corredeiras do rio com seus barcos sempre levam consigo um cachorro, não por acaso “o melhor amigo do homem”. E como bem lembrou o autor, é curioso como os animais, acostumados à vida agitada nas cidades, aproveitam as partes de águas mansas do rio para se desestressarem e recarregarem suas baterias.


Os exemplos de criatividade não param aí: Carla Miranda, articulista de turismo, tendo a Grécia como tema de uma de suas matérias, assim a intitulou: “Comece por Atenas sua epopeia particular pelo país dos deuses”. É bem verdade que ela escreveu seu artigo com toda esta tranquilidade em junho de 2008, muito antes da atual crise daquela nação, que está deixando a Europa e o resto do mundo de cabelo em pé e com a pulga atrás da orelha.

Você também por certo conhece a expressão “ir direto ao ponto”. Significa ir de pronto ao âmago de uma questão, ou seja, resolvê-la de imediato, sem tergiversar e nem desviar do assunto. Porém, Rita Loiola, usou a mesma expressão para referir-se às carnes mais nobres dos bovinos, emendando, ainda, a citação “crocantes por fora e tenras por dentro”. Já Michelle Alves de Lima contrariou o costume das pessoas de oferecem tradicionalmente aos visitantes alguma bebida alcoólica para brindar por qualquer coisa. E trocou esta possibilidade pelo simples convite “aceita uma água?”, ao abordar as muitas qualidades das águas minerais encontradas no Brasil. Daí decorre, ainda, que aquela famosa frase “mudou da água para o vinho”, que ela habilmente utilizou de forma invertida para um dos subtítulos de sua matéria, também teve razão de ser, pois ali mesmo ela abordou o caso de uma pessoa que, por razões médicas, havia sido proibida de ingerir vinho, sendo aconselhada a tomar água em seu lugar. E mais: em outro ponto de seu belo artigo sobre o tema enumerou alguns tipos de “águas que vão muito além da sede”. Bonito, não?

Um articulista anônimo da grande imprensa, usando a velha máxima popular “tem gente que só fala abobrinha”, referindo-se evidentemente àqueles que falam demais, ao escrever sobre este produto para uma coluna de culinária, retrucou: “Não é só abobrinha”. Mudando da água para o vinho, ou seja, da culinária para a informática, que tal saber o que Gustavo Miller escreveu sobre a prática que as pessoas têm de ouvir música com fones de ouvido? - “Fone de ouvido: aprecie com moderação”, certamente lançando mão de uma frase comum nos anúncios de bebidas alcoólicas e referindo-se aos males que este recurso causa aos tímpanos das pessoas se estas o usarem com constância.

Outro jornalista, ao falar das delícias da culinária da Itália, em sua região próxima à Suíça, preferiu dar o seguinte título à sua matéria: “Gulodices do norte da bota”. Bota é um termo muito utilizado para representar a Itália, pois os contornos geográficos do país fazem um desenho perfeito deste vestuário dos pés. Já o jornalista Jacques Trefois, ao escrever um artigo sob encomenda para um grande jornal falando sobre a vida de um exímio e famoso conhecedor de chocolate, assim intitulou a sua matéria: “Pierre Hermé: artista, chocólatra”, criando, assim, um neologismo, ou seja, uma nova palavra para o nosso já rico vocabulário.

Mas uma das maiores sacadas em artigos sobre os temas aqui abordados certamente partiu da articulista Carla Conte. Ao tratar da abundância no território brasileiro dos muitos tipos da banana, não teve dúvidas e deu o seguinte título à sua matéria: “República das bananas”. A expressão, como todos sabem, é uma referência altamente pejorativa para alguns países, principalmente os latino-americanos, conhecidos por serem politicamente instáveis, submissos às nações mais ricas e frequentemente dominados por governos corruptos e opressores. A propósito, a expressão foi cunhada pelo cronista norte-americano William Sydney Porter, que utilizava o pseudônimo O. Henry. A referência inicialmente se destinava a Honduras e foi apresentada pela primeira vez no livro de contos curtos Cabbages and Kings, de 1904, ambientados justamente na América Central.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O Mestre da Vida


As loucuras e desvirtuamentos completos do mundo atual, podem, de certa forma, serem comparados ao que se passa em um interessante filme produzido em 2006, dirigido pelo cineasta George Gallo. Nele, o veterano ator Armin Mueller Stahl interpreta o pintor russo Nicoli Seroff, já aposentado e extremamente desiludido com os rumos que a arte da pintura tomou em nosso tempo. O ator coadjuvante Trevor Morgan faz, por sua vez, o papel do jovem John Talia Jr., que deseja de toda maneira dedicar a sua vida àquela arte.

O melhor do filme, cujo título em português é “O Mestre da Vida” (Local Color), parece não ser exatamente a química criada e estabelecida entre um homem idoso, cansado e que vive isolado e um adolescente em pleno vigor de sua juventude, ansioso por aprender a pintar com um expert no assunto. Ao contrário, o que se evidencia é o mundo tresloucado atual, em que qualquer coisa feita com qualquer objeto é imediatamente aceita como sendo “arte de vanguarda”, um “insight criativo” ou uma “descoberta incrivelmente inovadora”.

Relutando por anos a retornar ao métier, por julgá-lo desfigurado e sem sentido, Seroff – depois de receber um novo sopro de entusiasmo por conta da companhia do jovem aprendiz que não só o acompanha como também mora na casa do velho pintor por um bom tempo - resolve aceitar um convite para fazer parte de um júri em um festival de pinturas da pequena cidade onde mora. Ao entrar no ambiente onde as “obras” estão expostas e ver as primeiras duas que encontrou pela frente quase dá meia volta e vai embora, balançando negativamente a cabeça diante daquilo que considerou uma verdadeira atrocidade a que muitos chamam de arte.

No primeiro caso, ele se depara com duas rodas dentadas. Indaga ao autor do “trabalho” sobre o significado daquilo e ouve como resposta que se trata de “uma visão filosófica do movimento”, demonstrando que colocadas em rotação as rodas “se movimentariam mutuamente”. No segundo caso, aproximou-se de um sujeito que apreciava com deslumbramento total um quadro que ele próprio pintara, com toda a extensão da tela pintada em preto, sem nenhum outro traço. Resolveu perguntar ao deslumbrado artista o que significava aquela “pintura” toda em preto, ouvindo a explicação de que se tratava da “bidimensionalidade do tempo”.

Arrependido por ter aceitado o convite, comentou que, diante do que vira, não levaria muito tempo para um sujeito encher um balde de urina e exibi-lo no Metropolitan de Nova York, sendo tal ideia apontada por quem a criou como arte pura e por quem a visse como algo extremamente criativo. Aí não teve dúvidas, abandonou o lugar imediatamente, imaginando que não sobreviveria aos próximos exemplos se ali permanecesse.

Em outra cena marcante e hilária, exibe para o grande amigo e expert em pintura, Curtis Sunday, vivenciado pelo ator Ron Perlman, uma série de desenhos que mostravam pinceladas aleatórias, aparentemente sem nenhum nexo ou sentido. A cada desenho, diante de um Curtis enlevado, embevecido e maravilhado pela espetacular sequência de quadros que via à sua frente, ouvia as mais estapafúrdias explicações sobre o que os artistas que os pintaram queriam dizer. Um transmitia “amargura e tensão”, o outro trazia um “que” de paixão e êxtase, um terceiro certamente significaria o advento de uma nova mentalidade mundial, etc., e assim por diante, até o último dos pequenos quadros.

Seroff o interrompeu e disse que, na verdade, todos aqueles desenhos haviam sido feitos por um grupo de crianças excepcionais, a quem ensinava pintura como forma de solidariedade e terapia. Não que as pinturas dos meninos não tivesse razão alguma, mas estavam longe de guardar todos aqueles significados demorada e detalhadamente analisados pelo amigo expert em arte. Seroff, a própria esposa de Curtis e o jovem aprendiz John Thalia tiveram um ataque de riso tão duradouro e intenso que por pouco não perderam o fôlego e morreram. Este, talvez, seja o melhor momento do filme.

Mas não só a pintura encerra tais episódios. Todas os gêneros de arte, de uma maneira geral, estão enfrentando situações que estranhamente insistem em “evoluir” para um empobrecimento quase que total, chegando em alguns casos, a provocar vexames. Outro dia li em jornal da capital um artigo sobre as “criações” de um artista “multimídia”. O trabalho do cara pálida mostrava cadeiras feitas com galhos rústicos de árvore, sendo que a parte destinada ao assento era visivelmente bem desconfortável. Mas nem por isso deixou de ser saudado pelo articulista “crítico” como sendo “uma incrível e maravilhosa tendência da arte moderna voltada para a elocubração e compreensão de possíveis caminhos para o bem-estar e o mundo interior de cada um, blá, blá, blá...”. Fiquei imaginando como os possíveis compradores daquelas cadeiras iriam se sentar nelas, com aqueles espetos de pau que estavam no assento todos voltados para cima e demonstrando serem itens “altamente penetrantes”.
É, acho que o mundo mudou mesmo e com ele também a arte se modificou. Nós, que nos acostumamos a apreciar artistas menores como Rembrandt, Renoir, Da Vinci, Monet e tantos outros desta estirpe, é que estávamos errados.

sábado, 17 de abril de 2010

Os acentos gráficos podem se tornar obsoletos?


Já estão em vigor as regras do novo acordo ortográfico assinado entre países que falam a língua portuguesa. Haverá um prazo de três anos para adaptação e até que se finde este tempo as duas formas de escrever uma mesma palavra serão aceitas, como no caso de idéia/ideia. Entretanto, jornais, revistas, agências de publicidade, universidades e escolas de um modo geral já adotaram as novas regras.

É curioso constatar que tais mudanças, embora num primeiro momento causem espanto e até confusão, depois acabam sendo assimiladas pela população e os novos mistérios vão caindo por terra. A Lei n.º 5765, de 18 de dezembro de 1971, por exemplo, suprimiu o acento circunflexo na distinção dos homógrafos, responsável por 70% das divergências ortográficas com Portugal, e fez o mesmo com relação aos acentos que marcavam a sílaba subtônica nos vocábulos derivados com o sufixo mente ou iniciados por z. Entretanto, há uma certa tendência para que pessoas com idades mais avançadas apresentem resistências para concordar com as inovações. Assim, continuam escrevendo govêrno, êle, Zèzinho, fàcilmente, cômodamente, etc., ou até insistem em manter o trema em palavras como saüdade, por exemplo. Porém, de um modo geral, ninguém hoje se lembra de que tais palavras eram assim escritas.

Eu, que vivenciei as mudanças feitas em 1971, percebi que na época a decisão causou um certo desconforto e até mesmo gerou críticas por parte de professores, educadores e filólogos. Porém, como apropriadamente diz o estudioso do idioma e imortal da ABL, Evanildo Bechara, mudanças ortográficas sempre são feitas para as próximas gerações, não para as atuais. De fato, um adolescente de nosso tempo nem sequer saberia que as palavras toda e nele, que também podiam se apresentar acentuadas (tôda, nêle) assim vinham escritas para se diferenciarem das homógrafas que, respectivamente, significavam um pássaro originário da Jamaica e um tipo de arroz de casca da Índia.

Tal fato igualmente vai acontecer com relação às atuais mudanças. Nós estranharemos um pouco as alterações, mas as próximas gerações nem perceberão a diferença.

Ocorre, também, que algumas coisas, ainda que pudessem representar uma simbologia e talvez até manter e guardar um caráter nostálgico para nós, tinham razão para desaparecer. Ninguém deixará de falar tranquilo (pronunciando bem a letra “u”) só porque não há mais trema nesta palavra. O mesmo exemplo serve para todos os outros termos nos quais se indicava a necessária presença fonética desta letra.

Diante da evolução destes conceitos, ou seja, de que tais diferenciadores podem – e devem – gradativamente – ser extintos, prevejo que em breve os governos dos países lusófonos vão acabar por tirar, também, o acento nos ditongos abertos de palavras oxítonas, como nos casos de herói, constrói, anéis e papéis, passando estas a serem grafadas como heroi, constroi, aneis e papeis. Ou dos ditongos abertos como em chapéu (chapeu), céu (ceu) e véu (veu). As crianças do futuro vão crescer assimilando o fato de que suas pronúncias têm o “e” sempre aberto, assim como hoje ocorre com o termo “loja”, em que sabemos que “o” tem som de “ó” e não não de “ô”.

O fenômeno de se pronunciar vogais abertas ou fechadas de forma natural está presente em outros idiomas, como no caso do inglês. A palavra “love”, por exemplo, tem na letra “o” um som aberto e quase nasalizado, podendo ser foneticamente grafada como um misto de “lóve” e “lõve”. Ou seja, todos as pessoas de países de língua inglesa nascem, crescem e amadurecem pronunciando este termo sempre de idêntica forma. Os povos de língua portuguesa também aprenderão a fazer o mesmo e, na quase totalidade dos casos, independentemente da presença ou não de acentos diferenciais.

Se imaginarmos quantas mudanças podem ser adotadas, veremos que há outras possibilidades de adaptação. Assim, haveria problemas se fosse eliminado, também, o acento de palavras paroxítonas (como lápis, bônus, táxi, etc.)? Observe que, mesmo sem ele, ninguém vai pronunciá-las como sendo lapís, bonús e taxí.

Avancemos mais e analisemos, comparativamente, as proparoxítonas, em que a regra diz que todas, sem exceção, são acentuadas. Seria impensável abolir alguns acentos neste tipo de palavra? Não, porque algumas delas, como trágica, bárbaro, lógica e milhares de outras podem perder o acento e ainda assim não sofreriam prejuízo nas suas pronúncias. Ou seja, tais mudanças não implicariam alterações na fala, mas somente na forma gráfica. Outras, que de alguma forma se transformam em verbos (como pagina e fabrica, terceira pessoa do presente do indicativo de paginar e fabricar, por exemplo) permaneceriam com os acentos para que continuassem com as diferenciações. Na frase “ele fabrica tijolos”, por exemplo, ficaria claro que a pessoa estaria utilizando o termo “fabrica” como verbo e não como um substantivo. Ou isso seria complicado demais para entender?

Se isto viesse a acontecer haveria um empobrecimento da língua? Diante da opinião do professor Bechara de que mudanças feitas agora sempre servem para o futuro, é possível que tudo possa ocorrer. O português estaria, então, caminhando para se assemelhar aos idiomas que não têm acentos gráficos e que os povos falam de forma natural, independentemente da presença ou não destes sinais diferenciais?

sábado, 10 de abril de 2010

Aventuras de um colecionador

Quando a tecnologia do compact disc, o conhecido CD, surgiu em 1987 através de um protótipo da Phillips holandesa, logo incorporado pela Sony nipônica, tive pesadelos e sobressaltos. Por um lado, ficava – como aconteceu com todos – maravilhado pela chegada da época em que finalmente se poderia ouvir música sem os tradicionais chiados e ruídos dos discos de vinil. Por outro, temia pelo destino que a música teria a partir de então.

Fiquei imaginando como seria a nossa convivência com o CD, uma espécie de “carta de alforria” para os sons gravados. Calculava que, por ser uma descoberta inovadora, o sistema digital só abrigaria músicas principalmente feitas a partir daquele momento. É claro que pensava também que uma incursão ou outra ao passado – como se fazia também com os long-playings – seria uma prática das gravadoras, talvez esporádicas, embora achasse que pela importância da nova tecnologia somente as “coisas novas” teriam chance de sair no novo formato.

Foi quando comecei e pensar: “Pronto, e agora o que nós, colecionadores, vamos fazer com as centenas de discos de vinil, acumulados durante anos e anos, desde que praticamente nos entendemos por gente, lá pelos idos de 1950?” Tinha medo de que com os novos modismos e essa suicida e estranha preferência da maioria das pessoas pelo que não presta, por lixos tóxicos a que chamam de música, as gravadoras só se aventurassem para produzir aquilo que o “povo” queria. Isso representaria, por certo, o fim definitivo da era da inteligência.

Houve, sim, uma esmagadora preferência por coisas ruidosas e sem sentido, que de certa forma os selos impunham e continuam impondo aos incautos, cada vez com maiores índices de ousadia . Quem passa por uma banca de CDs dessas tradicionais lojas de departamentos terá melhor noção do que escrevo. Noventa e cinco por cento do que ali está não vale um centavo furado, é lixo puro, uma droga que nem mesmo as pessoas de mau gosto confirmado vão comprar. Vejam como há milhares de encalhes nas prateleiras destes lugares, coisas que não saem nem por preços abaixo de custo.

Porém, para minha surpresa, as gravadoras viram na nova tecnologia do CD que surgia uma oportunidade talvez não exatamente para satisfazer os saudosistas, mas para ganhar dinheiro. Assim, pensaram: “Puxa, se nós reeditarmos muito daquilo que temos em nossos velhos e antigos acervos, muitos velhotes e dinossauros poderão se interessar e comprar de novo tudo aquilo que tinham colecionado em vinil”. De fato, a partir de 1988, no Brasil – e acredito que também no exterior -, os colecionadores passaram a enfrentar uma corrida pela busca dos valores do passado, já que em poucos anos nem mesmo as agulhas que tiravam sons dos LPs existiriam, quando muito os toca-discos.

Entretanto, o time das pessoas de péssimo gosto que preferem lixo prevaleceu e tais gravadoras não disponibilizaram sequer dez por cento daquilo que tinham em seus preciosos e ricos catálogos, onde havia música de verdade com instrumentistas, maestros e arranjadores de fato, que não enganavam ninguém e conferiam dignidade à prática de gravar melodias. A solução, para os colecionadores, foi se equipar para transferir registros sonoros dos antigos LPs para os CDs, primeiro através de gravadores comuns, para os quais iam além da música todos os ruídos presentes nos discos, e depois, com o auxílio de modernos computadores e programas que possibilitavam boas restaurações.

Mas trata-se de uma corrida contra o tempo. São muitos os LPs fantásticos gravados entre as décadas de 40 e 60, principalmente, que não terão a mínima chance de serem transferidos para o brilho dos CDs ou para a chamada era digital. Se o colecionador optar por deixar os ruídos no novo formato poderá recuperar um acervo maior, mas continuará tendo a impressão de que está ouvindo a música diretamente do vinil, com o que resta de agulhas extraindo os últimos registros dos sulcos. Se preferir fazer uma limpeza de ruídos completa, mais acurada e perfeccionista, vai suar bastante, porque o processo é lento, desgastante, demorado e até estressante, embora a causa seja boa, nobre e sublime. Realmente, a satisfação por recuperar algo que as gravadoras nem sonham em lançar é grande e indescritível.

Ocorre que os atuais CDs já estão saindo de cena. E, se não houver outro objeto físico que os substitua para armazenar sons, o colecionador será obrigado a juntar suas relíquias na memória não confiável dos computadores. Se acontecer uma pane incontornável, perder-se-ão anos e anos de prazer e deleite. E lá se vão, enterradas e com lembranças de um passado distante, as aventuras de um colecionador.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Terra, um planeta condenado à morte antes do tempo


Carl Sagan, astrônomo e estudioso do Universo, disse em um dos episódios de sua célebre série “Cosmos”, apresentada há alguns anos na TV brasileira, que “a humanidade via pela última vez um dia como aquele”. As cenas retratavam uma manhã belíssima, com raios de sol ainda dourados porque pertenciam à aurora e acabavam de surgir no horizonte, e lírios dançando alegremente ao sabor de uma leve e benfazeja brisa.

Ele informava seus espectadores que, assim como o planeta foi tendo uma criação, juntando partes para se tornar o astro com o tamanho que hoje tem, também num futuro distante começaria a se desintegrar, assim como acontecerá com o nosso Sol e com todos os mundos e satélites naturais em órbita ao seu redor.

De fato, a Terra não existirá para sempre. Observações científicas indicam que sistemas solares e galáxias surgem e desaparecem no Universo, com seu material final dando origem ao nascimento de outros mundos. Trata-se de um processo irreversível que nem mesmo a mais avançada tecnologia que o homem possa criar conseguiria deter.

O Sol, assim como todas as estrelas, tem uma vida útil, um prazo de validade, a exemplo de uma lâmpada. Em um determinado tempo sua força começará a diminuir e seus raios serão mais fracos. Com o passar de mais alguns milhões de anos sua influência sobre a Terra e os demais planetas será mínima, quando não mais será possível haver vida na superfície de nosso mundo, nem animais e nem árvores ou vegetações que consigam sobreviver.

No fim de tudo, toda a história da humanidade, com seus feitos e desfeitos, terá sido varrida, ficando em seu lugar um pó espacial que cruzará o firmamento atraído por outras galáxias em formação. Isso já aconteceu no passado e voltará a acontecer no futuro, indefinidamente.

Porém, se pela mãe natureza a Terra tem um tempo certo para existir e definhar, o mesmo não acontece com a ação do homem, que está acelerando o processo de destruição do que Carl Sagan um dia chamou de “um distante e pálido ponto azul” nos confins do Universo. Os desmatamentos já feitos em praticamente toda a superfície dos continentes demonstram quão perniciosa pode ser a presença humana. Grande parte do planeta já se transformou em desertos, como o Saara, na África, o Mojave, nos Estados Unidos, e outros em países e regiões espalhados por todos os continentes.

Mas a ação predatória da espécie humana não para, porque se mostra insaciável. A Amazônia, lugar que só se dá bem na natureza com árvores e vegetações nativas, já perdeu milhões de quilômetros quadrados de matas naturais para dar lugar a pastos e por conta da extração ilegal de madeira. Pasto que para criar um quilo de carne ao longo da vida de um boi demandará 15 mil litros de água. Água que, por sua vez, está acabando, com a ameaça de deixar bilhões de pessoas sem ela em determinadas regiões do globo.

As queimadas de florestas e de cana de açúcar, estas muito mais criminosas porque já existem sistemas mecanizados que colhem o produto sem emitir o gás carbônico que insufla a atmosfera, as emissões de fumaça das chaminés de milhões de fábricas, notadamente nos países ricos, e outra série imensa e interminável de atentados contra a natureza certamente abreviarão o tempo de existência da espécie humana, animal e vegetal em nosso planeta.

O homem não percebe que toda a poluição que ele produz fica presa na tênue atmosfera terrestre. Esse produto, que vai se somando em volumes inimagináveis e crescentes, não tem como escapar do planeta e vagar pelo espaço, porque as camadas mais altas o retém, mantendo-o acima de nós, funcionando como uma panela de pressão e exercendo a sua ação nefasta de ir nos destruindo pouco a pouco.

O derretimento das grandes geleiras polares e o desaparecimento irreversível e para sempre delas acabará com as nascentes dos rios e com as esperanças de um mundo saudável, com água e alimentos necessários à nossa sobrevivência.

O mal que se pratica contra a natureza pode ser verificado a metros de onde estamos. Vejam as árvores hoje, em muitos casos consideradas por gente irresponsável como inimigas mortais do homem. Repare como são cortadas por inteiro, sem nenhuma razão aparente, ou em formatos bizarros, redondas, quadradas ou convexas, numa infundada, enganosa e equivocada apologia à estética. Não sabem – ou pior, sabem – seus algozes e aqueles que pagam para que assim se cometa este crime que o planeta precisa desesperadamente ser reflorestado em cada metro quadrado disponível. Estas árvores, decepadas e diminuídas quase à asfixia, não têm mais as folhas necessárias para converter o gás carbônico no oxigênio de que tanto precisamos em grandes quantidades e nem mais copas lindas e imensas que garantem um chão mais fresco, sem o mormaço que enfrentamos em nosso dia-a-dia.

O trabalho dos que destroem é inversamente desproporcional ao dos que cuidam da natureza. Enquanto abnegados, estudantes, algumas entidades e o poder público plantam uma, duas ou três árvores, os algozes, criminosos e desinformados eliminam 40 ou 50 delas.

Se cada um pode fazer a sua parte e dar a sua contribuição para retardar o processo de nossa destruição, aqui mesmo, nos municípios, é possível desencadear campanhas para replantio de árvores em abundância, por todos os lugares, nas praças e ruas, sob a proteção de leis severas contra aqueles que atentam contra a sua segurança.

Um governante que fizesse isso ganharia rapidamente a simpatia da população, dos órgãos e entidades que trabalham protegendo a Terra, passando a receber ajuda para isso. Daí para a maioria dos habitantes dos municípios se engajarem no processo seria só um passo. Com isso, seria possível criar uma força-tarefa para mudar o perfil das cidades, transformando-as de maneira positiva e servindo de exemplo para outras comunidades para adotarem as mesmas práticas.

Não desejaria ser tão radical quanto um amigo meu que, diante deste cenário alarmante, disse ter chegado à conclusão de que hoje preferiria mais a companhia de uma árvore do que a de um ser humano insensível e insensato como aqueles que as destroem. “Para viver – disse – dependo mais da árvore do que de meu semelhante”. Um triste sinal dos tempos, sobre o qual todos devemos refletir.