sábado, 17 de abril de 2010

Os acentos gráficos podem se tornar obsoletos?


Já estão em vigor as regras do novo acordo ortográfico assinado entre países que falam a língua portuguesa. Haverá um prazo de três anos para adaptação e até que se finde este tempo as duas formas de escrever uma mesma palavra serão aceitas, como no caso de idéia/ideia. Entretanto, jornais, revistas, agências de publicidade, universidades e escolas de um modo geral já adotaram as novas regras.

É curioso constatar que tais mudanças, embora num primeiro momento causem espanto e até confusão, depois acabam sendo assimiladas pela população e os novos mistérios vão caindo por terra. A Lei n.º 5765, de 18 de dezembro de 1971, por exemplo, suprimiu o acento circunflexo na distinção dos homógrafos, responsável por 70% das divergências ortográficas com Portugal, e fez o mesmo com relação aos acentos que marcavam a sílaba subtônica nos vocábulos derivados com o sufixo mente ou iniciados por z. Entretanto, há uma certa tendência para que pessoas com idades mais avançadas apresentem resistências para concordar com as inovações. Assim, continuam escrevendo govêrno, êle, Zèzinho, fàcilmente, cômodamente, etc., ou até insistem em manter o trema em palavras como saüdade, por exemplo. Porém, de um modo geral, ninguém hoje se lembra de que tais palavras eram assim escritas.

Eu, que vivenciei as mudanças feitas em 1971, percebi que na época a decisão causou um certo desconforto e até mesmo gerou críticas por parte de professores, educadores e filólogos. Porém, como apropriadamente diz o estudioso do idioma e imortal da ABL, Evanildo Bechara, mudanças ortográficas sempre são feitas para as próximas gerações, não para as atuais. De fato, um adolescente de nosso tempo nem sequer saberia que as palavras toda e nele, que também podiam se apresentar acentuadas (tôda, nêle) assim vinham escritas para se diferenciarem das homógrafas que, respectivamente, significavam um pássaro originário da Jamaica e um tipo de arroz de casca da Índia.

Tal fato igualmente vai acontecer com relação às atuais mudanças. Nós estranharemos um pouco as alterações, mas as próximas gerações nem perceberão a diferença.

Ocorre, também, que algumas coisas, ainda que pudessem representar uma simbologia e talvez até manter e guardar um caráter nostálgico para nós, tinham razão para desaparecer. Ninguém deixará de falar tranquilo (pronunciando bem a letra “u”) só porque não há mais trema nesta palavra. O mesmo exemplo serve para todos os outros termos nos quais se indicava a necessária presença fonética desta letra.

Diante da evolução destes conceitos, ou seja, de que tais diferenciadores podem – e devem – gradativamente – ser extintos, prevejo que em breve os governos dos países lusófonos vão acabar por tirar, também, o acento nos ditongos abertos de palavras oxítonas, como nos casos de herói, constrói, anéis e papéis, passando estas a serem grafadas como heroi, constroi, aneis e papeis. Ou dos ditongos abertos como em chapéu (chapeu), céu (ceu) e véu (veu). As crianças do futuro vão crescer assimilando o fato de que suas pronúncias têm o “e” sempre aberto, assim como hoje ocorre com o termo “loja”, em que sabemos que “o” tem som de “ó” e não não de “ô”.

O fenômeno de se pronunciar vogais abertas ou fechadas de forma natural está presente em outros idiomas, como no caso do inglês. A palavra “love”, por exemplo, tem na letra “o” um som aberto e quase nasalizado, podendo ser foneticamente grafada como um misto de “lóve” e “lõve”. Ou seja, todos as pessoas de países de língua inglesa nascem, crescem e amadurecem pronunciando este termo sempre de idêntica forma. Os povos de língua portuguesa também aprenderão a fazer o mesmo e, na quase totalidade dos casos, independentemente da presença ou não de acentos diferenciais.

Se imaginarmos quantas mudanças podem ser adotadas, veremos que há outras possibilidades de adaptação. Assim, haveria problemas se fosse eliminado, também, o acento de palavras paroxítonas (como lápis, bônus, táxi, etc.)? Observe que, mesmo sem ele, ninguém vai pronunciá-las como sendo lapís, bonús e taxí.

Avancemos mais e analisemos, comparativamente, as proparoxítonas, em que a regra diz que todas, sem exceção, são acentuadas. Seria impensável abolir alguns acentos neste tipo de palavra? Não, porque algumas delas, como trágica, bárbaro, lógica e milhares de outras podem perder o acento e ainda assim não sofreriam prejuízo nas suas pronúncias. Ou seja, tais mudanças não implicariam alterações na fala, mas somente na forma gráfica. Outras, que de alguma forma se transformam em verbos (como pagina e fabrica, terceira pessoa do presente do indicativo de paginar e fabricar, por exemplo) permaneceriam com os acentos para que continuassem com as diferenciações. Na frase “ele fabrica tijolos”, por exemplo, ficaria claro que a pessoa estaria utilizando o termo “fabrica” como verbo e não como um substantivo. Ou isso seria complicado demais para entender?

Se isto viesse a acontecer haveria um empobrecimento da língua? Diante da opinião do professor Bechara de que mudanças feitas agora sempre servem para o futuro, é possível que tudo possa ocorrer. O português estaria, então, caminhando para se assemelhar aos idiomas que não têm acentos gráficos e que os povos falam de forma natural, independentemente da presença ou não destes sinais diferenciais?

sábado, 10 de abril de 2010

Aventuras de um colecionador

Quando a tecnologia do compact disc, o conhecido CD, surgiu em 1987 através de um protótipo da Phillips holandesa, logo incorporado pela Sony nipônica, tive pesadelos e sobressaltos. Por um lado, ficava – como aconteceu com todos – maravilhado pela chegada da época em que finalmente se poderia ouvir música sem os tradicionais chiados e ruídos dos discos de vinil. Por outro, temia pelo destino que a música teria a partir de então.

Fiquei imaginando como seria a nossa convivência com o CD, uma espécie de “carta de alforria” para os sons gravados. Calculava que, por ser uma descoberta inovadora, o sistema digital só abrigaria músicas principalmente feitas a partir daquele momento. É claro que pensava também que uma incursão ou outra ao passado – como se fazia também com os long-playings – seria uma prática das gravadoras, talvez esporádicas, embora achasse que pela importância da nova tecnologia somente as “coisas novas” teriam chance de sair no novo formato.

Foi quando comecei e pensar: “Pronto, e agora o que nós, colecionadores, vamos fazer com as centenas de discos de vinil, acumulados durante anos e anos, desde que praticamente nos entendemos por gente, lá pelos idos de 1950?” Tinha medo de que com os novos modismos e essa suicida e estranha preferência da maioria das pessoas pelo que não presta, por lixos tóxicos a que chamam de música, as gravadoras só se aventurassem para produzir aquilo que o “povo” queria. Isso representaria, por certo, o fim definitivo da era da inteligência.

Houve, sim, uma esmagadora preferência por coisas ruidosas e sem sentido, que de certa forma os selos impunham e continuam impondo aos incautos, cada vez com maiores índices de ousadia . Quem passa por uma banca de CDs dessas tradicionais lojas de departamentos terá melhor noção do que escrevo. Noventa e cinco por cento do que ali está não vale um centavo furado, é lixo puro, uma droga que nem mesmo as pessoas de mau gosto confirmado vão comprar. Vejam como há milhares de encalhes nas prateleiras destes lugares, coisas que não saem nem por preços abaixo de custo.

Porém, para minha surpresa, as gravadoras viram na nova tecnologia do CD que surgia uma oportunidade talvez não exatamente para satisfazer os saudosistas, mas para ganhar dinheiro. Assim, pensaram: “Puxa, se nós reeditarmos muito daquilo que temos em nossos velhos e antigos acervos, muitos velhotes e dinossauros poderão se interessar e comprar de novo tudo aquilo que tinham colecionado em vinil”. De fato, a partir de 1988, no Brasil – e acredito que também no exterior -, os colecionadores passaram a enfrentar uma corrida pela busca dos valores do passado, já que em poucos anos nem mesmo as agulhas que tiravam sons dos LPs existiriam, quando muito os toca-discos.

Entretanto, o time das pessoas de péssimo gosto que preferem lixo prevaleceu e tais gravadoras não disponibilizaram sequer dez por cento daquilo que tinham em seus preciosos e ricos catálogos, onde havia música de verdade com instrumentistas, maestros e arranjadores de fato, que não enganavam ninguém e conferiam dignidade à prática de gravar melodias. A solução, para os colecionadores, foi se equipar para transferir registros sonoros dos antigos LPs para os CDs, primeiro através de gravadores comuns, para os quais iam além da música todos os ruídos presentes nos discos, e depois, com o auxílio de modernos computadores e programas que possibilitavam boas restaurações.

Mas trata-se de uma corrida contra o tempo. São muitos os LPs fantásticos gravados entre as décadas de 40 e 60, principalmente, que não terão a mínima chance de serem transferidos para o brilho dos CDs ou para a chamada era digital. Se o colecionador optar por deixar os ruídos no novo formato poderá recuperar um acervo maior, mas continuará tendo a impressão de que está ouvindo a música diretamente do vinil, com o que resta de agulhas extraindo os últimos registros dos sulcos. Se preferir fazer uma limpeza de ruídos completa, mais acurada e perfeccionista, vai suar bastante, porque o processo é lento, desgastante, demorado e até estressante, embora a causa seja boa, nobre e sublime. Realmente, a satisfação por recuperar algo que as gravadoras nem sonham em lançar é grande e indescritível.

Ocorre que os atuais CDs já estão saindo de cena. E, se não houver outro objeto físico que os substitua para armazenar sons, o colecionador será obrigado a juntar suas relíquias na memória não confiável dos computadores. Se acontecer uma pane incontornável, perder-se-ão anos e anos de prazer e deleite. E lá se vão, enterradas e com lembranças de um passado distante, as aventuras de um colecionador.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Terra, um planeta condenado à morte antes do tempo


Carl Sagan, astrônomo e estudioso do Universo, disse em um dos episódios de sua célebre série “Cosmos”, apresentada há alguns anos na TV brasileira, que “a humanidade via pela última vez um dia como aquele”. As cenas retratavam uma manhã belíssima, com raios de sol ainda dourados porque pertenciam à aurora e acabavam de surgir no horizonte, e lírios dançando alegremente ao sabor de uma leve e benfazeja brisa.

Ele informava seus espectadores que, assim como o planeta foi tendo uma criação, juntando partes para se tornar o astro com o tamanho que hoje tem, também num futuro distante começaria a se desintegrar, assim como acontecerá com o nosso Sol e com todos os mundos e satélites naturais em órbita ao seu redor.

De fato, a Terra não existirá para sempre. Observações científicas indicam que sistemas solares e galáxias surgem e desaparecem no Universo, com seu material final dando origem ao nascimento de outros mundos. Trata-se de um processo irreversível que nem mesmo a mais avançada tecnologia que o homem possa criar conseguiria deter.

O Sol, assim como todas as estrelas, tem uma vida útil, um prazo de validade, a exemplo de uma lâmpada. Em um determinado tempo sua força começará a diminuir e seus raios serão mais fracos. Com o passar de mais alguns milhões de anos sua influência sobre a Terra e os demais planetas será mínima, quando não mais será possível haver vida na superfície de nosso mundo, nem animais e nem árvores ou vegetações que consigam sobreviver.

No fim de tudo, toda a história da humanidade, com seus feitos e desfeitos, terá sido varrida, ficando em seu lugar um pó espacial que cruzará o firmamento atraído por outras galáxias em formação. Isso já aconteceu no passado e voltará a acontecer no futuro, indefinidamente.

Porém, se pela mãe natureza a Terra tem um tempo certo para existir e definhar, o mesmo não acontece com a ação do homem, que está acelerando o processo de destruição do que Carl Sagan um dia chamou de “um distante e pálido ponto azul” nos confins do Universo. Os desmatamentos já feitos em praticamente toda a superfície dos continentes demonstram quão perniciosa pode ser a presença humana. Grande parte do planeta já se transformou em desertos, como o Saara, na África, o Mojave, nos Estados Unidos, e outros em países e regiões espalhados por todos os continentes.

Mas a ação predatória da espécie humana não para, porque se mostra insaciável. A Amazônia, lugar que só se dá bem na natureza com árvores e vegetações nativas, já perdeu milhões de quilômetros quadrados de matas naturais para dar lugar a pastos e por conta da extração ilegal de madeira. Pasto que para criar um quilo de carne ao longo da vida de um boi demandará 15 mil litros de água. Água que, por sua vez, está acabando, com a ameaça de deixar bilhões de pessoas sem ela em determinadas regiões do globo.

As queimadas de florestas e de cana de açúcar, estas muito mais criminosas porque já existem sistemas mecanizados que colhem o produto sem emitir o gás carbônico que insufla a atmosfera, as emissões de fumaça das chaminés de milhões de fábricas, notadamente nos países ricos, e outra série imensa e interminável de atentados contra a natureza certamente abreviarão o tempo de existência da espécie humana, animal e vegetal em nosso planeta.

O homem não percebe que toda a poluição que ele produz fica presa na tênue atmosfera terrestre. Esse produto, que vai se somando em volumes inimagináveis e crescentes, não tem como escapar do planeta e vagar pelo espaço, porque as camadas mais altas o retém, mantendo-o acima de nós, funcionando como uma panela de pressão e exercendo a sua ação nefasta de ir nos destruindo pouco a pouco.

O derretimento das grandes geleiras polares e o desaparecimento irreversível e para sempre delas acabará com as nascentes dos rios e com as esperanças de um mundo saudável, com água e alimentos necessários à nossa sobrevivência.

O mal que se pratica contra a natureza pode ser verificado a metros de onde estamos. Vejam as árvores hoje, em muitos casos consideradas por gente irresponsável como inimigas mortais do homem. Repare como são cortadas por inteiro, sem nenhuma razão aparente, ou em formatos bizarros, redondas, quadradas ou convexas, numa infundada, enganosa e equivocada apologia à estética. Não sabem – ou pior, sabem – seus algozes e aqueles que pagam para que assim se cometa este crime que o planeta precisa desesperadamente ser reflorestado em cada metro quadrado disponível. Estas árvores, decepadas e diminuídas quase à asfixia, não têm mais as folhas necessárias para converter o gás carbônico no oxigênio de que tanto precisamos em grandes quantidades e nem mais copas lindas e imensas que garantem um chão mais fresco, sem o mormaço que enfrentamos em nosso dia-a-dia.

O trabalho dos que destroem é inversamente desproporcional ao dos que cuidam da natureza. Enquanto abnegados, estudantes, algumas entidades e o poder público plantam uma, duas ou três árvores, os algozes, criminosos e desinformados eliminam 40 ou 50 delas.

Se cada um pode fazer a sua parte e dar a sua contribuição para retardar o processo de nossa destruição, aqui mesmo, nos municípios, é possível desencadear campanhas para replantio de árvores em abundância, por todos os lugares, nas praças e ruas, sob a proteção de leis severas contra aqueles que atentam contra a sua segurança.

Um governante que fizesse isso ganharia rapidamente a simpatia da população, dos órgãos e entidades que trabalham protegendo a Terra, passando a receber ajuda para isso. Daí para a maioria dos habitantes dos municípios se engajarem no processo seria só um passo. Com isso, seria possível criar uma força-tarefa para mudar o perfil das cidades, transformando-as de maneira positiva e servindo de exemplo para outras comunidades para adotarem as mesmas práticas.

Não desejaria ser tão radical quanto um amigo meu que, diante deste cenário alarmante, disse ter chegado à conclusão de que hoje preferiria mais a companhia de uma árvore do que a de um ser humano insensível e insensato como aqueles que as destroem. “Para viver – disse – dependo mais da árvore do que de meu semelhante”. Um triste sinal dos tempos, sobre o qual todos devemos refletir.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Vexames diplomáticos e afins

A diplomacia é uma área onde coisas erradas, em tese, jamais poderiam acontecer. Afinal, isto é, pelo menos, o que se espera do serviço e das pessoas que nela trabalham. Afinal, trata-se de profissionais bem formados, que falam vários idiomas e que são treinados para fazer das tripas o coração e, por vezes, o papel de algodão entre cristais.

Imagine-se o trabalho intenso dos diplomatas nos dias nervosos que caracterizaram o incidente recente envolvendo a Colômbia e o Equador, e de resto a Venezuela, que, como sempre, meteu o bedelho onde não foi chamada, haja vista que o problema ocorreu a cerca de 1.800 metros já dentro do território equatoriano, bem longe do país hoje considerado propriedade particular de Hugo Chávez.

Certamente, quando há questões delicadas entre governos e nações para serem encaminhadas, os melhores profissionais da área são acionados, pois, com sua experiência há uma chance maior de os resultados serem os melhores possíveis. Embora, em alguns episódios, as atitudes possam ser consideradas por analistas especializados como ações incrivelmente desastradas, como foi o caso do imbróglio Brasil-Honduras-comunidade internacional.

R. Magalhães, estudioso brasileiro que atuava em várias áreas – em todas com brilhantismo – contou em uma de suas obras uma história bastante curiosa envolvendo as diplomacias brasileira e paraguaia. Acostumado a ouvir relatos de casos, reuniu tais fatos em um livro saboroso, cheio de histórias interessantes, divertidas e hilariantes.

Em um certo episódio, o Itamaraty recebia cônsules e embaixadores estrangeiros para uma mega-festa em Brasília. O cerimonial passou a chamar nominalmente os convidados e suas esposas para que entrassem em um grande ambiente onde haveria alguns discursos seguidos de um grande jantar de gala.

O chamamento se dava por ordem alfabética, de modo a não dar margem para interpretações no sentido de algumas personalidades pudessem ser mais importantes do que outras. De fato, se não houver cuidados com este pormenor, os enviados de países mais ricos, influentes e decisivos acabariam recebendo melhor tratamento do que outros, vindos de países pobres e quase desconhecidos.

Ocorre que o embaixador do Paraguai notou que seu nome não havia sido citado na hora certa, o que por si só, já representaria uma gafe do cerimonial. Mas não levou muito a sério o deslize, imaginando que fora um esquecimento rápido que seria contornado a seguir. Todavia, outros nomes, na sequência alfabética continuaram sendo mencionados sem que o erro fosse reparado. Preocupado com o avanço da fila e nada do nome dele constar da lista, o diplomata guarani, já um pouco cansado por ficar demasiadamente esperando, chamou um de seus assessores e, ao pé do ouvido, pediu-lhe que fosse até o locutor observar o que estava acontecendo.

Um outro profissional do Itamaraty que ajudava o cerimonial ouviu a reclamação, se antecipou e chamou o assessor paraguaio para um canto da sala. E ali, bem constrangido, confessou ao reclamante que o locutor se viu numa saia justa, temendo que à simples pronúncia do nome do embaixador a plateia provavelmente entraria em ebulição, rindo e fazendo galhofas e gracejos inevitáveis. Olhando bem fixamente para o paraguaio, disse: “É que o nome de seu diplomata no Brasil é considerado um palavrão”.

O assessor não se conformou, lembrando que, mesmo assim, em seu país tal incidente diplomático não ocorreria, e que o nome do embaixador deveria ser citado normalmente. Diante do impasse, o ajudante do Itamaraty desabafou: “Se ainda fosse uma vez só tudo bem, o diabo é essa insistência”. É que o nome do diplomata paraguaio era Juan Carlos Porras y Porras.

Em outra ocasião, quando em companhia de um casal amigo viajamos para Buenos Aires para passar uns dias na capital portenha, também vivenciamos um episódio atípico. Para começar, na noite anterior, em um imenso boulevard, espaço a céu aberto onde havia bares e restaurantes chiques no centro da cidade, esperávamos ouvir tangos, a música típica local, ao som do bandoneon. Mas em lugar dele tivemos de suportar – pasmem - uma banda brasileira tocando axé em altos brados.

No dia seguinte, em visita a uma loja de roupas – e ainda influenciado pela triste experiência da noite anterior -, arrisquei uma pergunta à linda balconista que nos atendeu. Eu queria saber se a Xuxa, então em seu auge como apresentadora, fazia sucesso com seu programa na TV Argentina, pois naquele país era chamada “la reina de los bajitos”.

A moça arregalou seus grandes olhos azuis, ficou pálida e, em meio a outros consumidores presentes, todos também olhando estranhamente para mim, falou-me baixinho ao ouvido: “Señor, tal palabra en Argentina es una obscenidad”. Insisti, lembrando que no Brasil a gente dizia Xuxa pra cá e Xuxa pra lá e que este era o apelido da nossa então famosa apresentadora de TV. E notei que os clientes da loja ficaram ainda mais atônitos com minha perseverança.

A moça, falando ainda mais baixinho, virava os olhos para um lado e para o outro, como quem quisesse disfarçar a gravidade da gafe que eu, inadvertidamente, havia cometido. E, num portunhol esforçado, ela me disse novamente ao ouvido: “Esta é a palavra chula que se utiliza aqui para dar o significado popular da genitália feminina, como aquela que vocês têm no Brasil, que eu sei qual é”. E num rasgo de conhecimento, demonstrando que sabia falar mais de um idioma, iniciou uma frase, assim: “En Brazil la palabra es bu...”, parando na primeira sílaba. A balconista, enfim, retomou seu belo sorriso e disse: “Bien, usted sabe...”

Soube depois que a própria Xuxa enfrentou graves problemas com a pronúncia de seu nome quando fez uma série de programas em uma TV Argentina. Não sei como a questão foi resolvida, mas parece que pelo menos em território portenho o som de seu nome teria sido sempre pronunciado de forma bem diferente, para não deixar dúvidas.
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Alcides Mazzini é professor, jornalista, radialista, músico, diretor da Universidade Aberta da Melhor Idade (UNA) e coordenador de comunicação do Centro Universitário Católico Auxilium – UniSALESIANO de Araçatuba.

Seleções do Reader´s Digest, quem diria, pediu concordata

A imprensa publicou nos últimos dias uma notícia que se supunha jamais teria qualquer razão de ser. É que a empresa que publica a Reader's Digest - conhecida no Brasil apenas por “Seleções” -, a revista mensal de variedades mais popular dos Estados Unidos, pediu concordata. A organização que emitiu a nota informou, também, que conseguiu efetivar um acordo com a maioria de seus credores para reestruturar grande parte de sua dívida de US$ 1,6 bilhão. Por esse acordo, o controle da Reader''s Digest Association passou para os credores das empresas banco J.P. Morgan Chase, GE Capital, Aries Management, Merrill Lynch, Eaton Vance, Regiment Capital e DK Partners. Já a empresa de private equity Ripplewood Holdings, que adquiriu a empresa em 2007, vai desistir de sua participação na companhia.

A Reader's Digest possuiu outras revistas e empreendimentos de mídia, dentre elas a revista Every Day with Rachael Ray e o site de culinária AllRecipes.com. A circulação da principal revista da empresa já vinha caindo há anos.

Fundada em 1922 por DeWitt Wallace, como uma coletânea de artigos de outras publicações, a Reader''s Digest, que chegou a ser distribuída em mais de 60 países em 19 idiomas diferentes, reduziu a garantia de circulação mensal a seus anunciantes de 8 milhões para 5,5 milhões de exemplares e diminuiu sua frequência de publicação anual de 12 para 10 edições. As informações foram prestadas pela Dow Jones.

Em seu histórico, a revista traz a informação de que sua expansão internacional começou pela
Inglaterra, em 1938. Dois anos depois foi lançada a edição em espanhol, intitulada Selecciones e, em fevereiro de 1942, a publicação finalmente chegava ao Brasil. A sua receptividade foi imediata excedendo a todas as expectativas, tanto que em menos de seis meses, a circulação mensal atingiu 150 mil exemplares. Seleções tornava-se, assim, uma das publicações mais populares em nosso país, alcançando, no início dos anos 70, a venda de aproximadamente 500 mil exemplares a cada mês. De certa forma ela rivalizava em tiragem com a revista O Cruzeiro, que no auge de seu sucesso contabilizava cerca de 700 mil exemplares mensais.

A revista, no Brasil, mantinha a predominância pelo nome ´Seleções´. Nos anos 40 e 50 sua penetração foi fortíssima, chegando a ser uma das publicações preferidas dos brasileiros. Uma das razões pelas quais ela granjeou simpatia era a forma como publicava seus artigos. Os jornalistas de seu “cast” escolhiam assuntos importantes, cujas abordagens costumavam ser profundas já no trabalho de seus autores originais, e os condensavam, ou seja, extraíam apenas as partes vitais que garantiriam a informação, transformando a leitura mais leve e prazerosa, sem contudo interferir no conteúdo do texto.

O mesmo ocorria com relação aos livros. A Reader´s Digest escolhia as obras mais destacadas e colocava em campo seu time de redatores para também condensá-los, ou seja, diminuí-los sensivelmente em seus tamanhos originais. A preocupação era a mesma com relação aos artigos: reduzir bastante o volume de palavras, sem prejudicar, no entanto, o entendimento geral. Por causa disso, a revista lançava periodicamente no Brasil coletâneas com até quatro livros condensados, sempre em edições bem cuidadas, com lombadas elegantes, muitas ilustrações e um texto irreprensivelmente leve e convidativo.

A revista tinha, também, o hábito de lançar coletâneas musicais, sempre com o melhor da música. Tradicionalmente, os álbuns reuniam orquestras ou corais exuberantes, excelentes arranjadores e repertórios irretocáveis que iam da canção popular às peças clássicas. Vinham em caixas com 9 LPs, em média, ou na forma de álbuns individuais, mas todos ótimos. Habitualmente traziam doze músicas, com seis delas de cada lado. Quem comprava qualquer um destes lançamentos tinha a certeza de que iria ouvir boa música, magníficas regências, excelentes interpretações e uma gravação impecável, fruto da já boa tecnologia da época que experimentava as primeiras emoções do som puro e característico dos chamados long- playngs.

Muitos ainda guardam as caixas que adquiriram naquelas décadas, pois estas, com seus discos, se traduziam em verdadeiros tesouros para quem apreciava música e se considerava um colecionador dela. Neste aspecto, a revista procurava identificar as melhores orquestras e os corais mais portentosos existentes nos Estados Unidos e selecionava repertórios com músicas de sucesso na época, conseguindo, com esta estratégia, agradar em cheio ao público. Estes discos foram lançados em sua maioria nos anos 50 e 60 e tinham por característica a total e excepcional qualidade de seu conteúdo e de som.

Assim, a Reader´s Digest brindava o seu público com registros impecáveis das orquestras de Malcolm Lockyer, Henri René, Daniel Michaels, Hill Bowen, Robert Bentley e Martin Slavin e, por outro lado, de corais famosos como os dos maestros John Norman, Robert MacDonald, Norman Luboff e tantos outros, cujas interpretações nos levavam a experimentar um êxtase de emoções e encantamento com seus cânticos maviosos e celestiais.

Porém, a decadência enfrentada pela revista nos Estados Unidos se espalhou também para o mundo, com a diminuição das tiragens e até mesmo a supressão temporária de sua publicação em alguns países. Há alguns anos a revista tentou dar novo fôlego aos seus empreendimentos no Brasil, revigorando suas edições impressas e lançando coleções de CDs, algumas até resgatando registros dos anos 50 e 60. Porém, devido ao empobrecimento cultural das novas gerações, cuja capacidade de apreciação de música foi se deteriorando rapidamente, levando-a a um caminho sem volta, a revista se viu forçada a lançar coletâneas de músicas de gosto bastante duvidoso.

O desfecho ocasionado pela concordata nos EUA representa um fim melancólico para uma revista que fez parte da vida de milhões de pessoas no Brasil e em todo o mundo.
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Alcides Mazzini é professor, jornalista, radialista e músico. É Diretor da Universidade Aberta da
Melhor Idade (UNA)

Os fumantes que me desculpem. Mas, sim, eles estão errados


Não tenho nada contra os fumantes. Pelo contrário, tenho, sim, muitos amigos que, infelizmente, fumam. Também não me oponho ao desejo que eles têm de envolver-se em uma constante nuvem de fumaça, como se estivessem no meio de uma plantação de cana-de-açúcar ardendo em chamas, como vemos constantemente à beira das estradas, respirando as delícias e maravilhas daquele ar altamente contaminado.

Mas, tenho, sim, o direito de reclamar do fato de as pessoas que fumam não respeitarem os seus próximos, como se consumir fumaça fosse algo bom para os dois segmentos: o dos que tragam e o dos que apenas inspiram um ar já maleficamente poluído.

Não quero aqui nem comentar o incômodo que nós, não fumantes, sentimos quando somos obrigados a fumar indiretamente. E dizem que o mal maior fica para nós, que não temos nada a ver com este vício. Também não quero me referir à descrição feita por alguém, no sentido de que uma pessoa que não fuma e que vai beijar outra que o faz, estaria, na verdade, dando um longo e sexy banho-de-língua em um atraente cinzeiro. Pois deve ser exatamente esta a impressão de alguém livre do vício ao beijar um fumante. Assim, apenas peço permissão para elencar alguns dados que podem transformar a vida de um fumante em um inferno interminável, quente e ardente.

Gostaria, então, de me reportar a uma pesquisa feita pela empresa Catho Online, publicada em junho de 2009, junto a 16.207 pessoas, segundo a qual 83,2% dos presidentes e diretores de empresas apresentavam fortes restrições na hora de contratar gente que engole fumaça. A sondagem mostrou que ao fazer a opção por um empregado que não fuma, a empresa estaria evitando a ocorrência de absenteísmo, seja aquele motivado por longas ausências para tratamento do próprio vício, ou mesmo devido às frequentes interrupções que ocorrem quando o funcionário sai para dar as suas tragadas.

A pesquisa mostrou, ainda, que a cada dia os fumantes vão perdendo lugar entre os que podem ser aceitos normalmente nas organizações empresariais. Assim, em 2003, um percentual de 44% dos diretores e empresários já prenunciava as graves objeções aos esfumaçados, número que saltou para 83,2% há um ano e que certamente é bem maior nos dias atuais. Afinal, parece que o cerco está mesmo se fechando para os enfumaçados.

A enquête apontou, também, que quanto maior for a empresa contratante, mais duras e rígidas serão as regras na hora de contatar pessoas. Provavelmente haja muitas delas, principalmente as das áreas de saúde ou de instituições ligadas a igrejas, que não admitem nenhum fumante em suas fileiras. Porém, se a pesquisa da Catho Online apontou algo semelhante não saberemos, pois nenhum dado a respeito foi publicado.

Porém, o significado do provérbio “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” esteja mesmo valendo para os responsáveis pela contratação de pessoas, porque eles próprios, embora não contratem fumantes, estão, por sua vez, entre os amantes inveterados do cigarro, a ponto de 18,5% deles tresloucadamente engolirem fumaça quando têm a chance de fazê-lo.

Tempos atrás li em uma revista um texto interessante. Segundo a matéria, um sujeito para o qual restava praticamente apenas 70% de seu corpo devido às constantes mutilações que sofreu em decorrências de doenças causadas pelo fumo, havia entrado com um pedido de indenização milionária por ele ter chegado àquele ponto por causa do cigarro. A empresa, é claro, ganhou a causa – decisão com a qual também eu concordei -, porque a Justiça entendeu que o mutilado não foi por ela obrigado a fumar. O que ocorreu foi apenas do fato de a vítima, naquele caso, ter aplicado a lógica imortalizada por Jânio Quadros: “fi-lo por que qui-lo.”

Há alguns anos, quando ainda era permitida abertamente a propaganda com o objetivo de engrossar as fileiras, de modo a conquistar novos membros para o clube da fumaça, li também um anúncio em que uma empresa estimuladora do tabagismo mostrava uma bonita arte publicitária para uma de suas marcas de cigarro, com a seguinte inscrição logo abaixo do maço: “Garantimos a qualidade de nossos produtos.” Para bom entendedor, meia tragada basta.

Alcides Mazzini é professor, jornalista, radialista, músico e diretor da Universidade Aberta da Melhor Idade (UNA).